14 dezembro 2015


Mulher Sombrinha 

 (Pintor Monet)

Tão lírica minha vida,
difícil perceber onde sofri.
Depois de décadas de reprimido desejo,
furei as orelhas.
Míúdos como grãos de arroz,
brinquinhos de pouco brilho
me tornam mais bondosa.
Fora minhas irmãs, 
que também pagam imposto
ao mesmo comedimento,
quase ninguém notou.
Fiquei mais corajosa, 
igual a mulheres que julgava levianas
e eram só mais humildes.
(Adélia Prado)
In: Miserere. Record, 2013.
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Faz 80 anos que a poesia ganhou o ar da graça. Em tudo que tem Adélia, fica um pouco de inspiração para mulheres que se sentem fortes e perseverantes. Se, de fato, a mulher é desdobrável, eu também o sou. Parabéns Adélia. Sua poesia faz parte da minha escola, do meu espelho, da minha vibração e do meu amor aos versos.

MANDARINA
 
Porque Deus me fez forte
e é a minha força que corta como faca
a mesma que  sopra como um suspiro.
Sou ríspida e meiga.
Meus olhos têm cetim cítrico por toda parte
mas só quando quero olhar o mundo de um jeito diferente.
Meu silêncio navalha-te,
a partir de agora, por toda hora.
Nisto me resumo: 
curei-me de tantas coisas,
estou áspera como capim-navalha.
Bensutada no sumo cítrico
Ninguém ouse me interromper,
porque sou forte, 
convicta como um poste aceso
já faz dias que nem te quero mais...
Nunca mais.
 
(Lila Mendes) 
Songs by Debussy