JACK SOU BRASILEIRO
A, E, I, O, U, Ypsilone... Foi assim que o nordestino, pobre e semianalfabeto, Jackson do Pandeiro se lançou para o país. Sucesso instantâneo, deixou boquiaberto o público, que talvez pensasse em uníssono: “De onde vem tanto ritmo?”. A resposta é difícil, tal qual sua vida. Mas há suspeitas: vem da Paraíba, de sua mãe, de ex-quilombolas, do inexplicável.
                    (Bruno Hoffmann)
Paraíbano , Jackson nasceu em 31 de agosto de 1919, com o nome de José Gomes Filho. Ele era filho de uma catadora de coco, Flora Mourão. Ainda criança, ganhou da mãe um pandeiro, instrumento que iria lhe render mais tarde, a fama nacional , responsável pelo ritmo do forró e do samba, como dos seus subgêneros:  baião, xote, xaxado, coco, arrastapé, quadrilha, marcha, frevo. 
Conhecido como o Rei do Ritmo, Jack foi um nome inspirado nos filmes de faroeste, no caso específico, Jack Perry, ator norte-americano da década de 30.
O cantor e compositor Lenine faz uma homenagem ao rei do Ritmo na letra e reconhece em muitos versos, a produtividade musical do artista.
 Não obstante, ele usa no sentido conotativo, palavras e expressões que se relacionam com a trajetória de um múltiplo músico, preso às suas raízes culturais, mas em contraposição ao reflexo de uma cultura de massa, produto americanizado, identificando tão grande influência do produto estrangeiro no cenário nacional.

Expressões como " rei da levada ", " lei da embolada " têm origem nas formas populares nordestinas, indicando o rei do momento, aquele que tem sucesso instantâneo e, ao mesmo tempo, um misto de instrumentos musicais, bem como representantes de danças folclóricas, originárias da África, com grande contribuição na formação do nosso tripé cultural. " Fazer a ema gemer na boa " ou fazer "o coco cocar" são formas características de suas composições como O canto da Ema, sucesso interpretado por grandes bandas baianas. Ainda no canto do sapo, que remete à criação de Jack na letra Cantiga do sapo, outro sucesso do compositor.
Desde as marchinhas de carnaval, ao samba-coco, fazendo alusão ao rojão, Jack fez história, entre outras escolas, com o forró e o samba.
Na letra em análise, o compositor Lenine afirma que ele deixou um oco, ao referir-se à sua morte em 1982, o que significou uma grande perda ao misto musical que Jack criou e recriou, ainda que no país da contradição. A língua da repercussão é uma forma metalinguística de apreciação do fazer-musical do artista.

Jack Soul Brasileiro
E que som do pandeiro
É certeiro e tem direção
Já que subi nesse ringue
E o país do swing
É o país da contradição...
Eu canto pro rei da levada
Na lei da embolada
Na língua da percussão
A dança mugango dengo
A ginga do mamolengo
Charme dessa nação...
Quem foi?
Que fez o samba embolar?
Quem foi?
Que fez o coco sambar?
Quem foi?
Que fez a ema gemer na boa?
Quem foi?
Que fez do coco um cocar?
Quem foi?
Que deixou um oco no lugar?
Quem foi?
Que fez do sapo
Cantor de lagoa?...

 Dos engenhos de açúcar, nascera a figura de Jack, com alma
 (soul)  brasileira, o que nos sugere, um Jack abrasileirado, com alma tropical, sem a nostalgia dos ritmos imbricados na música norte-americana. Tião é nome próprio dessa identidade cultural.

E diz aí Tião!
Diga Tião! Oi!
Foste? Fui!
Compraste? Comprei!
Pagaste? Paguei!
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais
Me diz quanto foi?

Diga Tião!
Oi!
Foste? Fui!
Compraste? Comprei!
Pagaste? Paguei!
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais
Me diz quanto foi?

 "Jack Soul Brasileiro" é sentença que faz analogia à frase " já que sou brasileiro", o que seria na voz de Jack, uma forma de louvor às suas origens. O clima tropical, a arte popular, o gingado do povo e a alma brasileira são expressões que se relacionam com a diversidade e a riqueza de um cenário pobre e rico ao mesmo tempo. Da pobreza,no entanto,  surge a riqueza, como surgiu do analfabetismo de Jack, a figura do Rei.
Jack Soul Brasileiro
Do tempero, do batuque
Do truque, do picadeiro
E do pandeiro, e do repique
Do pique do funk rock
Do toque da platinela
Do samba na passarela
Dessa alma brasileira
Despencando da ladeira
Na zueira da banguela
Alma brasileira
Despencando da ladeira
Na zueira da banguela(2x)


Diz ai quem foi......
Quem foi?
Que fez o samba embolar?
Quem foi?
Que fez o coco sambar?
Quem foi?
Que fez a ema gemer na boa?
Quem foi?
Que fez do coco um cocar?
Quem foi?
Que deixou um oco no lugar?
Quem foi?
Que fez do sapo
Cantor de lagoa?...

Me diz aí Tião!
Diga Tião! Oi!
Fosse? Fui!
Comprasse? Comprei!
Pagasse? Paguei!
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais...

Desafiando os aspectos culturais americanos, o eu-lírico insiste em contrariar o Tio Sam, no duelo do pandeiro, e ao que se percebe, quem  ganha é o samba e o povo brasileiro. Ainda condiciona a presença do  Bebop como uma das correntes mais influentes do jazz,  expressão onomatopaica que   imita o som das centenas de martelos que batiam no metal na construção das ferrovias americanas. Segundo alguns jazzistas, as melodias lembram os martelos nas obras das ferrovias.

Eu só ponho BEBOP no meu samba
Quando o tio Sam
Pegar no tamborim
Quando ele pegar
No pandeiro e no zabumba
Quando ele entender
Que o samba não é rumba
Aí eu vou misturar
Miami com Copacabana
Chiclete eu misturo com banana
E o meu samba, e o meu samba
Vai ficar assim...

Ah! ema geme...(5x)
Aaaaah ema gemeu!

Eu digo deixa!
Que digo!
Que pensem!
Que fale!
Deixa isso pra la
Vem pra ca
O que que tem
Eu não to fazendo nada
Você também
Não faz mal bater um papo assim gostoso com alguém.

Em constante intertextualidade com outras letras,  a composição reverencia o rei do Ritmo e nos pares de rimas e aliterações, cria uma sonoridade expressiva e própria daquele que mudou a história do ritmo musical no país. A função poética é predominante, mas podemos identificar características metamusicais na letra, incorporadas à história de Jack e ao seu instrumento principal : o pandeiro.

Desejo ao ensino Médio e à unidade do Pré-vestibular :boa leitura e bons frutos.
                                       (Professora Marília Mendes)


EU NÃO OLHEI SINHÁ ( Chico Buarque / Sinhá )

Posted by Blog JOIA RARA On 16:28 2 comments

 Na perspectiva de uma tensão dialógica, como faz Chico Buarque em grandes letras, em último CD ele explora as súplicas de um escravo na composição Sinhá, diante do senhor de engenho , na tentativa de provar sua inocência.
Jurando não ter visto Sinhá, banhando-se nua no açude, o escravo pretende se livrar do tronco, seu pior castigo e ainda se justifica, como livre de qualquer cobiça e privado de enxergar bem. Ao que parece, ele quer convencer o senhor que não se interessa mais por mulher, dada a ausência da cobiça.


Se a dona se banhou
Eu não estava lá
Por Deus Nosso Senhor
Eu não olhei Sinhá
Estava lá na roça
Sou de olhar ninguém
Não tenho mais cobiça
Nem enxergo bem.

Argumenta com o senhor de engenho a falta de motivos para  ir ao tronco e para ser aleijado. No discurso em que jura não ter visto a Sinhazinha, ele afirma que ela o faz mal com " olhos tão azuis " e ainda se benze com o sinal da cruz.

A composição retrata um período da história do Brasil, marcado pelas práticas sociais escravocratas, sendo o negro, definido como mercadoria. O posto mais elevado na complexa sociedade açucareira cabia ao senhor de engenho. O serviço escravo era supervisionado pelos feitores, que tinham a tarefa de vigiar os escravos e aplicar punições que iam desde a palmatória até o tronco.
Temeroso da penalidade máxima, o escravo isenta-se da culpa, ao admitir que estava atrás da sabiá, o que o levou ao açude. No verso seguinte, ele ainda reitera a ideia de não ter visto a moça, já que quando ela se despiu, ele já se encontrava longe. Estava no moinho. 


Para que me pôr no tronco
Para que me aleijar
Eu juro a vosmecê
Que nunca vi Sinhá
Por que me faz tão mal
Com olhos tão azuis
Me benzo com o sinal
Da santa cruz

Eu só cheguei no açude
Atrás da sabiá
Olhava o arvoredo
Eu não olhei Sinhá
Se a dona se despiu
Eu já andava além
Estava na moenda
Estava para Xerém
Por que talhar meu corpo
Eu não olhei Sinhá.
  
Vosmincê e vassuncê fazem parte das modificações do pronome de tratamento que, ao longo da história, foram se degradando e que por contração da locução substantiva " Vossa Mercê ", deu na forma " vosmincê", que é forma nasalada de "vosmecê".

 O suplício do escravo o faz chorar em iorubá, ou seja, ele clama na língua africana, simbolizando a família linguística de que faz parte. Os iorubás deixaram uma presença importante no Brasil, em especial, na Bahia. Os nagôs (iorubás) têm grandes influências no estado, no que ele encerra a canção no Pelourinho, enquanto cenário da herança da etnia afrodescendente, na confirmação do 
" herdeiro sarará ", ou seja, o resultado do cruzamento das etnias.  

Contudo, ainda ao retomar particularidades da cultura e da religião dessa herança, ele  deixa subentendida a ideia de que a sinhazinha se apaixona pelo escravo, o que nos leva a pensar que, além de se colocar como inocente na história, ele ainda culpa a Sinhazinha por deixar-se seduzir pela figura do negro, enfeitiçada pela magia da raça e ele, o escravo, na condição de filho bastardo do senhor de engenho.


Meus olhos vai furar
Eu choro em iorubá
Mas oro por Jesus
Para que que vassuncê
Me tira a luz

E assim vai se encerrar
O conto de um cantor
Com voz do pelourinho
E ares de senhor
Cantor atormentado
Herdeiro sarará
Do nome e do renome
De um feroz senhor de engenho
E das mandingas de um escravo
Que no engenho enfeitiçou Sinhá.



Chico Buarque inova mais uma vez com letras tão ricas e expressivas. A função poética evidencia a história do escravo e do seu senhor  , evocando imagens e produzindo efeitos. Há presença de rimas que elucidam o tom lamuriento da tristeza do escravo. Ninguém melhor que o " nosso" velho e novo chico para interpretar nesse misto de história e poesia, a diversidade cultural do nosso país.
Desejo boa atividade ao grupo do ensino Médio e Unidade do Pré .
                     Professora Marília Mendes