Iniciamos nosso debate acerca da leitura do livro AS CORES DA ESCRAVIDÃO, de Ieda Oliveira. Na introdução, ouvimos a composição BREJO DA CRUZ, de Chico Buarque, em que o autor faz alusão à cidade Brejo do Cruz, na Paraíba, com um expressivo povoamento de nordestinos em busca de trabalho e prosperidade desde a década de 30. Metaforicamente, a letra reproduz um espaço que compreende também os sonhos e as fantasias de milhares de jovens, que através do êxodo rural, deixam sua terra natal e vão para a cidade grande.
Em geral, enfrentam um choque cultural, quando levados às dificuldades e aos problemas socias no meio urbano. A fome é ilustrada através de metáforas como "se alimentam de luz", uma expressão que para o próprio autor, Chico Buarque, no documentário O PAÍS DA DELICADEZA PERDIDA, faz analogia ao uso de entorpecentes, a que essas crianças são levadas por falta de oportunidade e de orientação. A infância perdida está relacionada à perda de uma delicadeza, uma fase da vida, roubada pelo trabalho escravo e pela cruel exposição da vida nas ruas. Fora da escola, elas vivem o mundo adulto precocemente, com todos os riscos e suas consequências.
Subempregadas ou não, vivendo da informalidade no trabalho, os jovens citados na composição são vítimas da desigualdade social, da opressão e da migração. Na rodoviária, elas conhecem um novo espaço, cercado de armadilhas, de falsas promessas, de um mundo sujo e sofrido, marcado pela fome, pela má qualidade de vida, pela prostituição e pelas drogas.
“Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil”
Nos versos, podemos observar, a partir das conotações que o autor emprega para fotografar com palavras o Brejo da Cruz, que muitas cenas urbanas não mais sensilizam a sociedade, que já convive com a banalização da violência e da miséria no nosso país.
O autor denuncia as mazelas sociais do país. Em outros versos, no entanto, esses jovens se esquecem da infância perdida, já inseridos no mercado informal e, ao que parece, ganham uma nova vida, depois do sofrimento e da cruz que carregam. Eles passam por uma espécie de metamorfose e ganham uma nova perspectiva de vida.
“São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons”
Vale lembrar que, no documentário, o Brejo da Cruz, o povoado de miséria que começou a prosperar na Paraíba, estimando uma população que trocou a agropecuária pela atividade industrial, na fabricação de redes, desde 1980, não parou de crescer. Ainda que seja apenas um povoado, referente ou não na letra de Chico, o fato é que ele representa o êxodo rural, com todos os problemas sociais que vieram com a população que se infiltrou para os grandes centros urbanos em todo o Brasil.
A composição marca o início da nossa discussão, permitindo o conhecimento de diferentes formas de trabalho, com o caráter de denúncia das relações de trabalho que são firmadas no Brasil, nas regiões rurais ou mesmo nos centros urbanos, calcadas na miséria, na desilusão, na opressão e na infância roubada de crianças e adolescentes que não vão à escola, que não conhecem o verdadeiro sentido da liberdade e que perdem a delicadeza da derradeira infância.
Fiquem ligados! Depois do carnaval daremos sequência ao nosso trabalho. Tenham um bom recesso! O documentário encontra-se disponível integralmente na rede You Tube. Confira!
Professora Marília Mendes.