06 abril 2013


Por MARCOS - 20/03/2013 às 21:13


A ESCRITA, A ORTOGRAFIA E SEUS MITOS
No mundo fantasioso de uma norma-padrão idealizada, a escrita é tomada como um bloco homogêneo, invariável, sempre imaginada como a escrita literária ou de gêneros textuais mais monitorados e mais valorizados socioculturalmente ou, melhor, mais valorizados por um segmento restrito da sociedade.

Assim se explica por que as gramáticas normativas, em geral, não admitem outro modelo de língua senão o dos “grandes escritores”. Os autores de compêndios gramaticais filiados à tradição consideram como “língua culta” apenas a língua escrita e, mais precisamente, a língua escrita pelos “bons autores”, escolhidos segundo critérios de gosto estético totalmente subjetivos.

A maioria das obras desse gênero literário que é a gramática normativa se configuram dentro dessa fantasia. Seus autores assumem a variedade escrita literária como a única digna de ser estudada, ensinada e praticada, e consideram isso tão natural que, em geral, nem se dão ao trabalho de defini-la como seu objeto de estudo. Fica evidente que para eles só essa variedade escrita mais conservadora merece o rótulo de “língua portuguesa”. O que vem estampado nesses compêndios vale, supostamente, em qualquer lugar do mundo, em qualquer momento histórico, em qualquer classe social, em qualquer faixa etária.

Os autores de gramáticas prescritivas, incluindo as mais recentes, não fazem a distinção básica entre ortografia e fonética, isto é, entre as regras da escrita oficial da língua e os fenômenos da língua oral. Isso fica ainda mais claro quando eles incluem a ortografia no mesmo capítulo em que apresentam a fonética.

Seria fundamental que as professoras e os professores de conscientizassem de que saber ortografia não é saber a língua. São dois tipos diferentes de conhecimento, controlados, aliás, por partes diferentes do cérebro. Como vivemos numa cultura altamente grafocêntrica — centrada na escrita —, ignoramos o fato de que ¾ das línguas do mundo não têm forma escrita (só no Brasil são mais de 150), são chamadas língua ágrafas, mesmo sendo tão complexas (e às vezes até mais complexas morfossintaticamente) do que as línguas mais difundidas mundialmente.