Tendo em vista o
processo eleitoral que se aproxima no Brasil, uma nova discussão
voltou à baila. O que vivenciamos, hoje, ao considerarmos que temos
mulheres candidatas à presidência da República, fez com que
refletíssemos seriamente sobre as possíveis flexões de gênero do
substantivo presidente, antes identificado como comum de dois gêneros.
Depois de ouvir alguns especialistas e de ler o texto que segue, do linguista Marcos Bagno, fica nítida a necessidade de reconhecer que, no caso do substantivo presidenta, trata-se de uma forma revitalizada pela gramática e pelo dicionário, uma vez que data de 1899, pelo dicionarista Cândido de Figueira, a forma PRESIDENTA. Entretanto, questões sociolinguísticas estão envolvidas no assunto, por se tratar de uma discussão que ainda requer esclarecimentos políticos para o papel da mulher na sociedade e, consideralvemente, em cargos políticos.
Leia as considerações
seguintes e entenda, presidente ou presidenta: as duas formas são
possíveis e justificáveis. Boa leitura!
Professora Marília
Mendes
Agora que temos uma mulher na presidência da República, e não o tucano com cara de vampiro que se tornou o apóstolo da direita mais conservadora, vemos que o Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma presidenta, oficializou essa forma em todas as instâncias do governo e deixou claro que é assim que deseja ser chamada. Mas o que faz a nossa “grande imprensa”? Por decisão própria, com raríssimas exceções, como CartaCapital, decide usar única e exclusivamente presidente. E chovem as perguntas das pessoas que têm preguiça de abrir um dicionário ou uma boa gramática: é certo ou é errado? Os dicionários e as gramáticas trazem, preto no branco, a forma presidenta. Mas ainda que não trouxessem, ela estaria perfeitamente de acordo com as regras de formação de palavras da língua.
Segue nova reflexão, pautada nas reflexões que o linguista Marcos Bagno faz sobre a polêmica do termo PRESIDENTA.
Presidenta, sim!
O Brasil ainda está longe da
feminização da língua ocorrida em outros lugares.
Dilma Rousseff adotou a forma
"presidenta", que assim seja chamada. Por Marcos Bagno
O
Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em
outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma "presidenta",
que assim seja chamada .
Se uma mulher e seu
cachorro estão atravessando a rua e um motorista embriagado atinge
essa senhora e seu cão, o que vamos encontrar no noticiário é o
seguinte: “Mulher e cachorro são atropelados por motorista
bêbado”. Não é impressionante? Basta um cachorro para fazer
sumir a especificidade feminina de uma mulher e jogá-la dentro da
forma supostamente “neutra” do masculino. Se alguém tem um filho
e oito filhas, vai dizer que tem nove filhos. Quer dizer que a língua
é machista? Não, a língua não é machista, porque a língua não
existe: o que existe são falantes da língua, gente de carne e osso
que determina os destinos do idioma. E como os destinos do idioma, e
da sociedade, têm sido determinados desde a pré-história pelos
homens, não admira que a marca desse predomínio masculino tenha
sido inscrustada na gramática das línguas.
Somente
no século XX as mulheres puderam começar a lutar por seus direitos
e a exigir, inclusive, que fossem adotadas formas novas em diferentes
línguas para acabar com a discriminação multimilenar. Em francês,
as profissões, que sempre tiveram forma exclusivamente masculina,
passaram a ter seu correspondente feminino, principalmente no francês
do Canadá, país incomparavelmente mais democrático e moderno do
que a França. Em muitas sociedades desapareceu a distinção entre
“senhorita” e “senhora”, já que nunca houve forma específica
para o homem não casado, como se o casamento fosse o destino único
e possível para todas as mulheres. É claro que isso não aconteceu
em todo o mundo, e muitos judeus continuam hoje em dia a rezar a
oração que diz “obrigado, Senhor, por eu não ter nascido
mulher”.
Agora que temos uma mulher na presidência da República, e não o tucano com cara de vampiro que se tornou o apóstolo da direita mais conservadora, vemos que o Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma presidenta, oficializou essa forma em todas as instâncias do governo e deixou claro que é assim que deseja ser chamada. Mas o que faz a nossa “grande imprensa”? Por decisão própria, com raríssimas exceções, como CartaCapital, decide usar única e exclusivamente presidente. E chovem as perguntas das pessoas que têm preguiça de abrir um dicionário ou uma boa gramática: é certo ou é errado? Os dicionários e as gramáticas trazem, preto no branco, a forma presidenta. Mas ainda que não trouxessem, ela estaria perfeitamente de acordo com as regras de formação de palavras da língua.
Assim
procederam os chilenos com a presidenta Bachelet, os nicaraguenses
com a presidenta Violeta Chamorro, assim procedem os argentinos com a
presidenta Cristina K. e os costarricenses com a presidenta Laura
Chinchilla Miranda. Mas aqui no Brasil, a “grande mídia” se
recusa terminantemente a reconhecer que uma mulher na presidência é
um fato extraordinário e que, justamente por isso, merece ser
designado por uma forma marcadamente distinta, que é presidenta. O
bobo-alegre que desorienta a Folha de S.Paulo em questões de língua
declarou que a forma presidenta ia causar “estranheza nos
leitores”. Desde quando ele conhece a opinião de todos os leitores
do jornal? E por que causaria estranheza aos leitores se aos
eleitores não causou estranheza votar na presidenta?
Como diria nosso herói Macunaíma: “Ai, que preguiça...” Mas de uma coisa eu tenho sérias desconfianças: se fosse uma candidata do PSDB que tivesse sido eleita e pedisse para ser chamada de presidenta, a nossa “grande mídia” conservadora decerto não hesitaria em atender a essa solicitação. Ou quem sabe até mesmo a candidata verde por fora e azul por dentro, defensora de tantas ideias retrógradas, seria agraciada com esse obséquio se o pedisse. Estranheza? Nenhuma, diante do que essa mesma imprensa fez durante a campanha. É a exasperação da mídia, umbilicalmente ligada às camadas dominantes, que tenta, nem que seja por um simples -e no lugar de um -a, continuar sua torpe missão de desinformação e distorção da opinião pública.
Como diria nosso herói Macunaíma: “Ai, que preguiça...” Mas de uma coisa eu tenho sérias desconfianças: se fosse uma candidata do PSDB que tivesse sido eleita e pedisse para ser chamada de presidenta, a nossa “grande mídia” conservadora decerto não hesitaria em atender a essa solicitação. Ou quem sabe até mesmo a candidata verde por fora e azul por dentro, defensora de tantas ideias retrógradas, seria agraciada com esse obséquio se o pedisse. Estranheza? Nenhuma, diante do que essa mesma imprensa fez durante a campanha. É a exasperação da mídia, umbilicalmente ligada às camadas dominantes, que tenta, nem que seja por um simples -e no lugar de um -a, continuar sua torpe missão de desinformação e distorção da opinião pública.
Marcos
Bagno é professor de Linguística na Universidade de Brasília
Presidente
ou presidenta?
Luiz Costa Pereira Junior
Se quisesse seguir a lei com um rigor, digamos, ortodoxo para seus hábitos, o brasileiro teria de oficialmente referir-se a Dilma Rousseff como "presidenta". Sim, a lei federal 2.749, de 1956, do senador Mozart Lago (1889-1974), determina o uso oficial da forma feminina para designar cargos públicos ocupados por mulheres. Era letra morta. Até o país escolher sua primeira mulher à Presidência da República.
Criada num pós-guerra
em que os países incorporaram direitos em resposta a movimentos
sociais, a lei condiciona o uso flexionado ao que for admitido pela
gramática. O que daria vez à forma "presidente". O
problema é que não há consenso linguístico que justifique opção
contrária à lei. Em novembro, muitos professores, gramáticos e
dicionaristas se apressaram em dizer que tanto "a presidente"
como "presidenta" são legítimas. Mas número equivalente
tomou "presidenta" como neologismo avesso ao sistema da
língua.
Em comunicado, a equipe do Lexikon, que atualiza o dicionário Aulete, avalia que os substantivos e adjetivos de dois gêneros terminados em -ente não apresentam flexão de gênero terminado em -a . Por isso, não dizemos "gerenta", "pacienta", "clienta" etc. Caso fosse "presidenta", por coerência, diríamos "a presidenta está contenta" e "o presidente está contento", exemplifica o grupo.
Professor e presidente da Vestcon, Ernani Pimentel diz que "presidenta" pertence às palavras "andróginas, hermafroditas ou bissexuadas", como "pianista", "jovem", "colega", comuns de dois gêneros. Terminadas em -nte (amante, constante, docente, poluente, ouvinte...), não usam o / a para indicar gênero. O fator linguístico a limitar essa "androginia", tornando a palavra só masculina ou feminina, é o artigo ( o amante, a amante); o substantivo ( líquido ou água poluente); o pronome a ela ligado ( nosso ou nossa contribuinte). Ao oficializar "presidenta", diz Pimentel, arrisca-se a "despender energia", criando "amanta", "constanta", "docenta", "poluenta", "ouvinta"...
Consagrada
Linguistas de instituições como USP ponderam. Marcelo Módolo informa que, embora pareça recente, "presidenta" é termo antigo. Ao menos desde o dicionário de Cândido de Figueiredo (1899):
"Presidenta, f. (neol.) mulher que preside; mulher de um presidente. (Fem. de presidente.)"
- "Presidenta" já está consignado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), no Houaiss; por isso, para mim, é indiferente o uso - diz Módolo.
Sua colega, Elis Cardoso de Almeida, concorda.
- Tanto faz qualquer
uma das formas. O dicionário as aceita, embora se saiba que
substantivos formados por -nte são comuns de dois gêneros,
invariáveis, portanto: (o,a) estudante, assistente, etc. Por essa
lógica, deveríamos ter (o,a) presidente.
Na prática, é
improvável que a questão cause crises, e é esperado que a
preferência se resolva nas situações comunicativas.
- Prefiro "a
presidente" com base em outros vocábulos, como "a
gerente", "a atendente", "a pretendente"
etc. Todavia, quem quer falar "a presidenta", "a
gerenta" ou "a atendenta", que fale. Não gosto, mas
quem sou para condenar? - diz John Robert Schmitz, professor da
Unicamp.
Confusão
O uso coletivo deve determinar predileção ou confirmar as duas formas. Para o gramático Ataliba de Castilho, nada impede que um termo até chegue a substituir o anterior.
Confusão
O uso coletivo deve determinar predileção ou confirmar as duas formas. Para o gramático Ataliba de Castilho, nada impede que um termo até chegue a substituir o anterior.
- O uso é o senhor da
língua. Vejamos como, daqui a alguns anos, as pessoas se referirão
a esse cargo quando ocupado por uma mulher.
Os limites de uso
seguem, muitas vezes, interesses específicos. Há "soldada",
"sargenta", "coronela", "capitã" e
"generala". Mas o Exército, ele mesmo, evita adotá-las.
"Presidenta"
parece sofrer outra ordem de influências. Embora as variações
sejam aceitas, o tipo de adoção de cada uma parece dividir
intuições e usos - não tanto no campo da morfologia, mas no da
semântica e até da ideologia. O professor Módolo concorda que a
forma "presidenta" é a preferida por quem a simbologia de
uma mulher no poder é fato relevante, talvez até orgulho.
- Fica mais expressivo
usar "presidenta", pois se trata da primeira brasileira no
cargo - diz ele.
Mas duvida que a insistência em "presidente" denotaria alguém preocupado em, ao evitar a flexão, assinalar sua resistência à eleita.
Mas duvida que a insistência em "presidente" denotaria alguém preocupado em, ao evitar a flexão, assinalar sua resistência à eleita.
- Não acredito na
hipótese. Essa situação precisaria ser testada no português
brasileiro, pois é fato novo histórico e linguístico.
Simplesmente, creio que usam "presidente" porque é
corriqueiro. Sempre foram homens a ocupar o posto.
Ênfases
Se é incerto afirmar que, ao se usar um termo, haja deliberada tomada de posição, há quem a chame "presidente eleita" ou "a presidente" com ênfase que ultrapassa a do uso corriqueiro. Ao manter invariável o gênero, sinalizaria a tentativa de neutralizar qualquer peso semântico que dê relevo à palavra. Ataliba explica a pouca variação de gênero em palavras terminadas em -nte .
- As palavras que têm vogal temática -e , aí incluídas as que derivaram do particípio presente -nte , integram uma classe pouco produtiva, quando comparada às da classe em -o (menino) e -a (casa). Talvez por isso, a extensão a essa classe do morfema de feminino [-a] seja tão irregular. Algumas não admitem feminino de forma alguma, como "agente". Outras já o admitem, como "parenta" - diz o gramático. Para ele, "presidente" foi apanhada por essa irregularidade.
- É o que explica que
o uso com ou sem o morfema de feminino seja ressignificado.
"Presidente" remeteria a um cargo tipicamente preenchido
por homens. "Presidenta" explicita que foi ocupado por
mulher – diz.
Para Elis, a
diferença passaria pela ênfase que o falante intui dar ao enunciar
a ocupante do cargo.
- É aí que entra a questão política. A mulher começa a ocupar cargos antes só masculinos. É preciso que se marque isso de alguma forma. A desinência -a de feminino passa a cumprir esse papel.
Política
A professora acredita que há conotação dupla em "presidenta": o vocábulo serviria tanto à valorização (no sentido de "forte", "feminina") quanto ao sentido caricato ("mandona", "implacável").
- É aí que entra a questão política. A mulher começa a ocupar cargos antes só masculinos. É preciso que se marque isso de alguma forma. A desinência -a de feminino passa a cumprir esse papel.
Política
A professora acredita que há conotação dupla em "presidenta": o vocábulo serviria tanto à valorização (no sentido de "forte", "feminina") quanto ao sentido caricato ("mandona", "implacável").
- Algumas vezes, o
feminino ganha ar pejorativo. Por
isso "chefa" nunca pegou, embora o dicionário registre!
Usar "presidente" não é desmerecer a mulher, é usar
forma comum de dois gêneros. "Presidenta" pode valorizar
a mulher, mas também pode transferir a ela uma certa visão de
"mulher durona".
Associar às mulheres qualidades consideradas femininas (sensibilidade, instinto maternal, ternura acolhedora etc.), é tão indevido quanto ver como masculinas as incorporadas por esforço e inteligência. Tal "divisão sexual" de qualidades é artificial. Aplicada a Dilma Rousseff, serviu a preconceitos eleitorais que, agora, o uso de "presidente" ou "presidenta" pode ou não reforçar.
Associar às mulheres qualidades consideradas femininas (sensibilidade, instinto maternal, ternura acolhedora etc.), é tão indevido quanto ver como masculinas as incorporadas por esforço e inteligência. Tal "divisão sexual" de qualidades é artificial. Aplicada a Dilma Rousseff, serviu a preconceitos eleitorais que, agora, o uso de "presidente" ou "presidenta" pode ou não reforçar.
Disponível
em < http://revistalingua.uol.com.br/textos/62/artigo248988-1.asp)>
Acesso em 01/09/2014.