14 setembro 2014

Tendo em vista o processo eleitoral que se aproxima no Brasil, uma nova discussão voltou à baila. O que vivenciamos, hoje, ao considerarmos que temos mulheres candidatas à presidência da República, fez com que refletíssemos seriamente sobre as possíveis flexões de gênero do substantivo presidente, antes identificado como comum de dois gêneros.

Depois de ouvir alguns especialistas e de ler o texto que segue, do linguista Marcos Bagno, fica nítida a necessidade de reconhecer que, no caso do substantivo presidenta, trata-se de uma forma revitalizada pela gramática e pelo dicionário, uma vez que data de 1899, pelo dicionarista Cândido de Figueira, a forma PRESIDENTA. Entretanto, questões sociolinguísticas estão envolvidas no assunto, por se tratar de uma discussão que ainda requer esclarecimentos políticos para o papel da mulher na sociedade e, consideralvemente, em cargos políticos.
Leia as considerações seguintes e entenda, presidente ou presidenta: as duas formas são possíveis e justificáveis. Boa leitura!
                                                                             Professora Marília Mendes



Segue nova reflexão, pautada nas reflexões que o linguista Marcos Bagno faz sobre a polêmica do termo PRESIDENTA.

Presidenta, sim!


O Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares.
Dilma Rousseff adotou a forma "presidenta", que assim seja chamada. Por Marcos Bagno


O Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma "presidenta", que assim seja chamada .
Se uma mulher e seu cachorro estão atravessando a rua e um motorista embriagado atinge essa senhora e seu cão, o que vamos encontrar no noticiário é o seguinte: “Mulher e cachorro são atropelados por motorista bêbado”. Não é impressionante? Basta um cachorro para fazer sumir a especificidade feminina de uma mulher e jogá-la dentro da forma supostamente “neutra” do masculino. Se alguém tem um filho e oito filhas, vai dizer que tem nove filhos. Quer dizer que a língua é machista? Não, a língua não é machista, porque a língua não existe: o que existe são falantes da língua, gente de carne e osso que determina os destinos do idioma. E como os destinos do idioma, e da sociedade, têm sido determinados desde a pré-história pelos homens, não admira que a marca desse predomínio masculino tenha sido inscrustada na gramática das línguas.
Somente no século XX as mulheres puderam começar a lutar por seus direitos e a exigir, inclusive, que fossem adotadas formas novas em diferentes línguas para acabar com a discriminação multimilenar. Em francês, as profissões, que sempre tiveram forma exclusivamente masculina, passaram a ter seu correspondente feminino, principalmente no francês do Canadá, país incomparavelmente mais democrático e moderno do que a França. Em muitas sociedades desapareceu a distinção entre “senhorita” e “senhora”, já que nunca houve forma específica para o homem não casado, como se o casamento fosse o destino único e possível para todas as mulheres. É claro que isso não aconteceu em todo o mundo, e muitos judeus continuam hoje em dia a rezar a oração que diz “obrigado, Senhor, por eu não ter nascido mulher”.

Agora que temos uma mulher na presidência da República, e não o tucano com cara de vampiro que se tornou o apóstolo da direita mais conservadora, vemos que o Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma presidenta, oficializou essa forma em todas as instâncias do governo e deixou claro que é assim que deseja ser chamada. Mas o que faz a nossa “grande imprensa”? Por decisão própria, com raríssimas exceções, como CartaCapital, decide usar única e exclusivamente presidente. E chovem as perguntas das pessoas que têm preguiça de abrir um dicionário ou uma boa gramática: é certo ou é errado? Os dicionários e as gramáticas trazem, preto no branco, a forma presidenta. Mas ainda que não trouxessem, ela estaria perfeitamente de acordo com as regras de formação de palavras da língua.
Assim procederam os chilenos com a presidenta Bachelet, os nicaraguenses com a presidenta Violeta Chamorro, assim procedem os argentinos com a presidenta Cristina K. e os costarricenses com a presidenta Laura Chinchilla Miranda. Mas aqui no Brasil, a “grande mídia” se recusa terminantemente a reconhecer que uma mulher na presidência é um fato extraordinário e que, justamente por isso, merece ser designado por uma forma marcadamente distinta, que é presidenta. O bobo-alegre que desorienta a Folha de S.Paulo em questões de língua declarou que a forma presidenta ia causar “estranheza nos leitores”. Desde quando ele conhece a opinião de todos os leitores do jornal? E por que causaria estranheza aos leitores se aos eleitores não causou estranheza votar na presidenta?
Como diria nosso herói Macunaíma: “Ai, que preguiça...” Mas de uma coisa eu tenho sérias desconfianças: se fosse uma candidata do PSDB que tivesse sido eleita e pedisse para ser chamada de presidenta, a nossa “grande mídia” conservadora decerto não hesitaria em atender a essa solicitação. Ou quem sabe até mesmo a candidata verde por fora e azul por dentro, defensora de tantas ideias retrógradas, seria agraciada com esse obséquio se o pedisse. Estranheza? Nenhuma, diante do que essa mesma imprensa fez durante a campanha. É a exasperação da mídia, umbilicalmente ligada às camadas dominantes, que tenta, nem que seja por um simples -e no lugar de um -a, continuar sua torpe missão de desinformação e distorção da opinião pública.
Marcos Bagno é professor de Linguística na Universidade de Brasília
Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/politica/presidenta-sim>Acesso em 13/12/2014.




                                         Presidente ou presidenta?

Lei, tradição do idioma e visão de mundo entram em conflito na definição do termo a ser usado para referir-se a Dilma Rousseff

Luiz Costa Pereira Junior


Se quisesse seguir a lei com um rigor, digamos, ortodoxo para seus hábitos, o brasileiro teria de oficialmente referir-se a Dilma Rousseff como "presidenta". Sim, a lei federal 2.749, de 1956, do senador Mozart Lago (1889-1974), determina o uso oficial da forma feminina para designar cargos públicos ocupados por mulheres. Era letra morta. Até o país escolher sua primeira mulher à Presidência da República.
Criada num pós-guerra em que os países incorporaram direitos em resposta a movimentos sociais, a lei condiciona o uso flexionado ao que for admitido pela gramática. O que daria vez à forma "presidente". O problema é que não há consenso linguístico que justifique opção contrária à lei. Em novembro, muitos professores, gramáticos e dicionaristas se apressaram em dizer que tanto "a presidente" como "presidenta" são legítimas. Mas número equivalente tomou "presidenta" como neologismo avesso ao sistema da língua.

Em comunicado, a equipe do Lexikon, que atualiza o dicionário Aulete, avalia que os substantivos e adjetivos de dois gêneros terminados em -ente não apresentam flexão de gênero terminado em -a . Por isso, não dizemos "gerenta", "pacienta", "clienta" etc. Caso fosse "presidenta", por coerência, diríamos "a presidenta está contenta" e "o presidente está contento", exemplifica o grupo.

Professor e presidente da Vestcon, Ernani Pimentel diz que "presidenta" pertence às palavras "andróginas, hermafroditas ou bissexuadas", como "pianista", "jovem", "colega", comuns de dois gêneros. Terminadas em -nte (amante, constante, docente, poluente, ouvinte...), não usam o / a para indicar gênero. O fator linguístico a limitar essa "androginia", tornando a palavra só masculina ou feminina, é o artigo ( o amante, a amante); o substantivo ( líquido ou água poluente); o pronome a ela ligado ( nosso ou nossa contribuinte). Ao oficializar "presidenta", diz Pimentel, arrisca-se a "despender energia", criando "amanta", "constanta", "docenta", "poluenta", "ouvinta"...

Consagrada
Linguistas de instituições como USP ponderam. Marcelo Módolo informa que, embora pareça recente, "presidenta" é termo antigo. Ao menos desde o dicionário de Cândido de Figueiredo (1899):

"Presidenta, f. (neol.) mulher que preside; mulher de um presidente. (Fem. de presidente.)"

- "Presidenta" já está consignado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), no Houaiss; por isso, para mim, é indiferente o uso - diz Módolo.

Sua colega, Elis Cardoso de Almeida, concorda.
- Tanto faz qualquer uma das formas. O dicionário as aceita, embora se saiba que substantivos formados por -nte são comuns de dois gêneros, invariáveis, portanto: (o,a) estudante, assistente, etc. Por essa lógica, deveríamos ter (o,a) presidente.
Na prática, é improvável que a questão cause crises, e é esperado que a preferência se resolva nas situações comunicativas.
- Prefiro "a presidente" com base em outros vocábulos, como "a gerente", "a atendente", "a pretendente" etc. Todavia, quem quer falar "a presidenta", "a gerenta" ou "a atendenta", que fale. Não gosto, mas quem sou para condenar? - diz John Robert Schmitz, professor da Unicamp.

Confusão
O uso coletivo deve determinar predileção ou confirmar as duas formas. Para o gramático Ataliba de Castilho, nada impede que um termo até chegue a substituir o anterior.
- O uso é o senhor da língua. Vejamos como, daqui a alguns anos, as pessoas se referirão a esse cargo quando ocupado por uma mulher.
Os limites de uso seguem, muitas vezes, interesses específicos. Há "soldada", "sargenta", "coronela", "capitã" e "generala". Mas o Exército, ele mesmo, evita adotá-las.
"Presidenta" parece sofrer outra ordem de influências. Embora as variações sejam aceitas, o tipo de adoção de cada uma parece dividir intuições e usos - não tanto no campo da morfologia, mas no da semântica e até da ideologia. O professor Módolo concorda que a forma "presidenta" é a preferida por quem a simbologia de uma mulher no poder é fato relevante, talvez até orgulho.
- Fica mais expressivo usar "presidenta", pois se trata da primeira brasileira no cargo - diz ele.

Mas duvida que a insistência em "presidente" denotaria alguém preocupado em, ao evitar a flexão, assinalar sua resistência à eleita.
- Não acredito na hipótese. Essa situação precisaria ser testada no português brasileiro, pois é fato novo histórico e linguístico. Simplesmente, creio que usam "presidente" porque é corriqueiro. Sempre foram homens a ocupar o posto.

Ênfases
Se é incerto afirmar que, ao se usar um termo, haja deliberada tomada de posição, há quem a chame "presidente eleita" ou "a presidente" com ênfase que ultrapassa a do uso corriqueiro. Ao manter invariável o gênero, sinalizaria a tentativa de neutralizar qualquer peso semântico que dê relevo à palavra. Ataliba explica a pouca variação de gênero em palavras terminadas em -nte .

- As palavras que têm vogal temática -e , aí incluídas as que derivaram do particípio presente -nte , integram uma classe pouco produtiva, quando comparada às da classe em -o (menino) e -a (casa). Talvez por isso, a extensão a essa classe do morfema de feminino [-a] seja tão irregular. Algumas não admitem feminino de forma alguma, como "agente". Outras já o admitem, como "parenta" - diz o gramático. Para ele, "presidente" foi apanhada por essa irregularidade.
- É o que explica que o uso com ou sem o morfema de feminino seja ressignificado. "Presidente" remeteria a um cargo tipicamente preenchido por homens. "Presidenta" explicita que foi ocupado por mulher – diz.
Para Elis, a diferença passaria pela ênfase que o falante intui dar ao enunciar a ocupante do cargo.

- É aí que entra a questão política. A mulher começa a ocupar cargos antes só masculinos. É preciso que se marque isso de alguma forma. A desinência -a de feminino passa a cumprir esse papel.

Política
A professora acredita que há conotação dupla em "presidenta": o vocábulo serviria tanto à valorização (no sentido de "forte", "feminina") quanto ao sentido caricato ("mandona", "implacável").
- Algumas vezes, o feminino ganha ar pejorativo. Por isso "chefa" nunca pegou, embora o dicionário registre! Usar "presidente" não é desmerecer a mulher, é usar forma comum de dois gêneros. "Presidenta" pode valorizar a mulher, mas também pode transferir a ela uma certa visão de "mulher durona".

Associar às mulheres qualidades consideradas femininas (sensibilidade, instinto maternal, ternura acolhedora etc.), é tão indevido quanto ver como masculinas as incorporadas por esforço e inteligência. Tal "divisão sexual" de qualidades é artificial. Aplicada a Dilma Rousseff, serviu a preconceitos eleitorais que, agora, o uso de "presidente" ou "presidenta" pode ou não reforçar.
Disponível em < http://revistalingua.uol.com.br/textos/62/artigo248988-1.asp)> Acesso em 01/09/2014.