24 maio 2013



Jaques Lacan, em seu 11º seminário (1998, p.242), indica na relação de sujeito com o analista, pelo ideal do eu, uma experiência de análise. Observa-se o rompimento da possibilidade combinatória que ele faz, no questionamento de recalque proposto por Freud. O processo de identificação desse eu começa através de um ponto eleito no campo do outro. Nesse campo, ele se vê como sujeito amado. “O ponto do ideal do eu é o de onde o sujeito se verá, como se diz, como visto pelo outro – o que lhe permitirá suportar-se numa situação dual para eles satisfatória do ponto de vista do amor”. “Enquanto miragem especular, o amor [...] se situa no campo instituído no nível da referência do prazer, desse único significante necessário para introduzir uma perspectiva centrada no ponto ideal, I maiúsculo, colocado em algum lugar do Outro, de onde o Outro me vê, na forma em que me agrada ser visto.” (LACAN, 1998, p.253)

Tendo o amor como efeito de transferência, sob a ótica do narcisismo, amar consiste em querer ser amado. Desse amor, enquanto objeto de transferência, é o causador da resistência à revelação do inconsciente e mesmo da reação do analista diante da resistência.  “O inconsciente é a soma dos efeitos da fala sobre o sujeito, nesse nível em que o sujeito se constitui pelo significante”, (LACAN, 1998, p.126), considerando que a soma dos efeitos da fala consistem nos equívocos, chistes, lapsos, sonhos ou mesmo no eixo metonímico e nos efeitos do significante, manifestando-se, simbolicamente, pela linguagem. A linguagem como sendo ela própria, uma perda do inconsciente. Trata-se da perda da lalangue, deixando como rastro do inconsciente, o significante.

 “A perda produz uma zona de sombra”, (LACAN, 1998, p.127). O traço do barramento, a castração, o traço unário ou o significante inicial produz uma perda de que nunca saberemos o objeto perdido. O que resulta dessa perda é o resto como lembrança, angustiante ou paralisante, como efeito inconsciente em outros acontecimentos. È a perda atribuída ao momento que o sujeito produz um objeto que se sobrepõe à falta. Não se sabe, contudo, o que é a causa perdida.

O indivíduo, assujeitado ao desejo do analista, tenta enganá-lo dessa sujeição. “[...] o sujeito enquanto assujeitado ao desejo do analista, deseja enganá-lo dessa sujeição, fazendo-se amar por ele, propondo por si mesmo essa falsidade essencial que é o amor. Ele só é repetição do que passou assim-assim, por ter a mesma forma. Não é sombra das antigas tapeações do amor. É isolamento, no atual, de seu funcionamento puro de tapeação.” (LACAN, 1998, p.240)

Assim, no encontro com o analista, o que se dá por meio de transferência, o inconsciente se fecha, criando um paradoxo: o inconsciente é fechado, mas o analista torna-se conivente com a tapeação que lhe é proposta. O inconsciente funciona para Lacan como o “discurso do outro”, dada a enunciação do sujeito. Como nos indica Lacan (1998), o inconsciente faz um apelo à “reabertura”, exatamente na maneira como a interpretação do analista se torna decisiva para dar conta do nó da transferência. O jogo do inconsciente, seja através de sonho, chiste ou lapso, procede a interpretação.

Na falta, o sujeito considera diferentes significantes no campo do outro. Para Lacan (1998), é justamente o primeiro significante que se torna portador do que ele chamou de infinitização do valor do sujeito. Na transferência, o sujeito refaz sua fantasia, a partir de um outro ao qual ele se assujeitou. O papel do analista na transferência não é responder àquilo que o analisando espera, ou seja, o analista não responde da forma ideal que se é esperada. O analista é, portanto, uma espécie de sujeito do desejo.

Para Lacan, a tapeação do amor, no processo de transferência, é tratada também a partir da pulsão, enquanto se identifica o processo de separação. Assim, o plano da identificação é possível pelo intermédio da separação do sujeito na experiência. A experiência do sujeito é assim reconduzida ao plano onde se pode presentificar, da realidade do inconsciente, a pulsão.” (LACAN, 1998, p.259)  

            A pulsão é resultado da maneira como funciona a cadeia de significantes que se situa no outro. “O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer. E eu disse – é do lado desse vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente a pulsão.” (LACAN, 1998, p.194)

            Dessa forma, pensando no lugar que o outro ocupa na transferência, o sujeito pode tomar o objeto não mais como via de gozo, mas como um causador de uma nova experiência que lhe permita escrever sua nova cena no mundo.

                                                                                                     
Marília Pereira Mendes
Mestre em Linguística Aplicada 
Fale- UFMG-2013 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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