Esta atividade foi aplicada no 1º ano do ensino Médio, no dia 18/08/2014, tendo como complemento e vídeo motivador, uma animação em 3D, disponível no Youtube. Avante, meninos!!
Morte e vida severina
Em meio a tantos
destroços, humanos e materiais, volto a Pernambuco, e a João
Cabral de Melo Neto, em busca de um sopro. Por Matheus Pichonelli
Cena
da animação "Morte e Vida Severina", dirigido por Afonso
Serpa e baseado na obra de João Cabral de Melo Neto e inspirado nos
quadrinhos de Miguel Falcão
Cobrir uma eleição é
um desafio múltiplo. Durante os meses da campanha, mais ou menos
entre julho e outubro (ou novembro, em caso de segundo turno), o
jornalista convive mais com o candidato e seu estafe, composto por
fotógrafos e assessores, e os colegas da concorrência, do que com a
própria família ou os companheiros de Redação.
É um convívio diário,
intenso, delicado. Criam-se, inevitavelmente, empatias com os
parceiros de rotina, mas também tensões. De todos, o maior desafio
é buscar temas e abordagens originais, sem demonstrar simpatia ou
rudeza em excesso sobre alguém com quem irá se encontrar logo no
dia seguinte, em uma agenda desgastante e repetitiva (abaixo do
palanque, há quem seja capaz de adivinhar as frases do discurso do
candidato, que muitas vezes muda apenas de cenário). Muitos
setoristas talvez não votem no candidato que acompanharam durante a
jornada, mas no fundo, testemunhas dos esforços para cumprir tantos
compromissos, acabam torcendo, se não pela vitória, por um bom
desempenho nas urnas.
Vai ver é por isso que
desde a quarta-feira 13, quando soube da morte de Eduardo Campos,
candidato do PSB à Presidência, eu tenha ficado tão abatido. É
estranho: estava longe do epicentro da campanha deste ano, e conto
nos dedos às vezes em que o encontrei, ainda como governador de
Pernambuco. Em todas essas ocasiões, tive uma impressão parecida
com a que se espalhou em relatos e testemunhos na imprensa e nas
redes sociais sobre o presidenciável: a de estar diante de um
sujeito de carisma e disposição peculiares, de humor e inteligência
raras, sem tempo para crises. Campos era aquele sujeito que você
olha e imagina: deve ser legal tê-lo no bar como companhia.
Poderia estar enganado,
mas a impressão parece confirmada nesses dois dias posteriores à
tragédia que o vitimou. Não cobri a sua campanha, não conheci a
fundo as outras vítimas, mas acompanhei com atenção a manifestação
de amigos que os conheciam. Um deles me tocou em especial: no
Facebook, o amigo Sergio Roxo narrou seu último diálogo com o
assessor Carlos Augusto Ramos Leal Filho, o Percol, por volta das
22h30. O assessor queria saber o que ele tinha achado da entrevista
de Campos para o Jornal Nacional. Ao fim do texto, Roxo lembrou que,
nos últimos 40 dias, Percol sempre perguntava por seu filho
recém-nascido. “Hoje, depois de toda tragédia, descobri que o
sobrenome dele não era Percol”, escreveu.
Estava no ônibus
quando li o testemunho. E tive de desviar o pensamento para impedir
que uma segunda lágrima saltasse, que daria passagem a uma terceira,
e a uma quarta, e a uma enxurrada. Foi quando percebi meu estado de
luto naqueles dias, em parte pela proximidade com pessoas próximas
da tragédia, em parte por sua dimensão – e o quanto ela nos leva
a pensar em nossa própria condição, frágil, inescapável,
imprevisível.
Pouco antes de
embarcar, o avião que logo desapareceria estava prenhe de
entusiasmo. Campos havia passado no temido teste do JN. Era a
primeira vez que se apresentava como candidato ao público nacional,
e estava convicto de que causara uma primeira boa impressão.
Estranho pensar: muitos que o assistiram na tevê naquela noite
souberam que aquele candidato cheio de ideias para o futuro estava
morto antes mesmo de abrirem os olhos pela manhã. A dimensão de
tempo/espaço parecia chacoalhada. Depois daquela entrevista, Campos
comemorou, jantou, brincou com o filho, segurou as mãos da mulher,
telefonou para aliados, ouviu congratulações, agendou entrevistas,
definiu a agenda do dia seguinte, se despediu da mulher, do filho,
pediu a sobrinho que os acompanhasse até Recife, acordou, viu o que
os jornais diziam do seu desempenho na tevê, voltou a receber
ligações, ouviu pela 204ª vez que em 2018 a sua candidatura
estaria ainda mais forte, fez brincadeiras sobre a entrevista,
embarcou, atravessou o estado. Era uma travessia segura. Deu tudo
errado.
A edição do dia
seguinte do Jornal Nacional tinha como tema a sua morte. A virada de
chave, desta vez, foi brusca demais: a morte, antes de consumada, dá
antes seus sinais, entre os quais a desistência. Por isso adoecemos.
Absorvemos seus trejeitos. E partimos, muitas vezes conformados,
tantas vezes sem surpresa. No acidente que vitimou Campos e sua
equipe, a morte passou por cima de sua própria solenidade.
O ano de 2014 tem se
notabilizado, assim, pelo noticiário mórbido. Sinais de um período
estranho. Muita gente se foi – Nelson Ned, Eusébio, Philip Seymour
Hofmann, Eduardo Coutinho, Gabriel Garcia Marquez, Paulo Goulart,
José Wilker, Canarinho, Luciano do Valle, Mauricio Torres, Dr.
Osmar, Tito Villanova, Jair Rodrigues, Di Stéfano, Fernandão,
Oberdan Catani, Plinio de Arruda Sampaio, Vange Leonel, Ivan
Junqueira, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves, Ariano Suassuna, Robin
Williams, Lauren Bacall (quem tem atualizado a lista quase
diariamente é o amigo Rodofo Albiero, de quem copio parte das minhas
memórias).
Na Ucrânia, assassinos
em guerra miraram e acertaram um avião comercial, vitimaram centenas
de civis e talvez a esperança da cura para a Aids nas mãos dos
pesquisadores mortos no não-acidente. Cansamos de ver fotos de
crianças retiradas dos destroços em bombardeios enviados por Israel
em direção a Gaza. A Síria segue em chamas. A Líbia volta às
tensões da era Kadafi. O Egito está em ebulição. Por aqui a vida
não vale um enquadro policial. Moradores de favelas seguem
perseguidos, capturados e torturados. Um deles não dá notícias há
mais de ano.
Para cada tragédia, e
para tantas memórias de passados e presentes trágicos, há sempre
um assistente de palco, dublê de roqueiro, para fazer troça, como
se acima de toda a paranoia alucinógena não houvesse sequer a dor,
o pesar, a humanidade.
Em meio a tantos
destroços, humanos e materiais, volto a Pernambuco, e ao seu maior
poeta, João Cabral de Melo Neto, em busca de um velho sopro,
encontrado ao ler, no mesmo dia 13 de agosto, a notícia do resgate
da criança de 11 meses que chegou à Espanha com outros 700
imigrantes da África Subsaariana. Ela foi resgatada de uma pequena e
precária embarcação no oceano. Estava sem os pais – eles não
conseguiram subir no barco –, com as roupas molhadas e com 38,5
graus de febre. Tremia de frio. Era uma travessia arriscada. Ela
sobreviveu. Sem poder contar o próprio nome, foi (re) batizada de
Princesa. Tinha razão o João Cabral: “não há melhor resposta
que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se
chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica”.
Disponível em
<http://www.cartacapital.com.br/cultura/morte-e-vida-severina-7186.html>Acesso
em 16/082014
QUESTÕES
1. Identifique, a partir do texto, trechos que comprovem
a presença das seguintes funções no texto e justifique suas
escolhas.
A. Emotiva B. Referencial C. Poética
2. Leia o trecho seguinte: O
poema Morte e vida Severina (auto pernambucano) é narrativo com seu
gênero predominantemente lírico, mas com presença dramática.
Consiste em duas partes: antes de chegar em Recife e depois. Antes de
chegar chamamos de caminho ou fuga da morte; e depois em o presépio
ou encontro da vida. O poema é feito em redondilha maior (sete
sílabas métricas). O espaço possui um movimento de deslocamento: o
retirante faz a travessia do Agreste para a Caatinga, da Zona da Mata
para o Recife, ou seja, sai da serra, mais especificamente da Serra
da Costela, e vai para o litoral, para Recife. Durante esse
deslocamento que ele faz, em busca da vida, depara-se com tantas
mortes e miséria, que pensa em se atirar no rio e apressar a própria
morte. A história é narrada em primeira pessoa, pelo personagem
Severino e é composta de monólogos e diálogos com outros
personagens.
Explique qual é a relação da obra de João Cabral com
a crônica, tendo em vista, a tragédia relatada no texto.
3. Para o autor, como ele percebe a morte, considerando
a trajetória política do ex-governador de Pernambuco, Eduardo
Campos e do contexto da animação Morte e Vida Severina? Explique.