Para o autor Marcelo Pereira (2012),
“um problema de indisciplina pode começar a ser resolvido a partir do momento
em que o professor percebe uma possível relação sintomática, repetitiva e
geradora de desprazer com o aluno” (p.120), levando a provocar mudanças na sua
maneira de apresentar-se. Cabe então relacionar, nesta resenha, o papel do
professor diante do aluno, como um filtro ao saber que transmite, bem como o
que se aprende e como reconhecer que tipo de filtro constitui.
Epistemologicamente, sabemos que a
Pedagogia e a Psicanálise são duas disciplinas que se opõem em estrutura. As
propostas de criar pedagogias psicanalíticas não são das mais bem sucedidas, da
mesma forma que misturar os aspectos emocionais e cognitivos no âmbito
educacional também não nos parece tão fácil de compreender, dada a dificuldade
de integração entre Pedagogia e Psicanálise.
“Não existe uma regra de ouro que se
aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo
específico ele pode ser salvo”. (FREUD, 1930, pp.90-91). Tem sido muito comum
perceber no discurso dos docentes, ao se queixarem dos problemas enfrentados
dentro da sala de aula, a maneira como os alunos tiram-lhe a autoridade, como
sendo essa uma das causas que impedem o sucesso de suas práticas
pedagógicas. Podemos entender essa
queixa como uma inibição do pensamento, no sentido de não permitir uma reflexão
acerca do real problema que atinge a educação.
Assim, é possível pensar na análise
das práticas pedagógicas, a partir das implicações desse sujeito em formação e,
ao mesmo tempo, autor de suas escolhas. Trata-se de um sujeito, inserido em um
contexto em que o conhecimento é produzido e vivenciado, vinculado a outros
saberes científicos, o que exige a delimitação de espaços para tratarem da
relação professor-aluno. Considera-se para tal, o significado da puberdade no
aluno adolescente, tendo em vista a alienação na nomeação e no desejo do outro.
O desinteresse, a indiferença e mesmo
a indisciplina que percorrem esse aluno adolescente, apresentam uma forma de
recusa à escola. No discurso dos alunos, em geral, é apresentada uma escola
responsável pela realização de seus anseios, de possibilidade de realização
futura ou ainda a escola que permite o acesso a um bom emprego. Dessa forma, é
possível inferir que há um reconhecimento do papel da escola por parte desse
aluno, enquanto uma forma de proteção da insegurança da vida adulta. A escola
tende a repetir o mesmo modelo de amparo materno, impondo ao aluno o lugar de
assujeitado, de alienado no seu desejo. Isso demonstra um imperativo ou uma
exigência pragmática de domar, de governar o corpo do outro ou de possuir um
saber verdadeiro acerca da singularidade subjetiva” (PEREIRA, 2008, p.173). A
escola como figura materna que subjuga o corpo do outro, que o mantém na
alienação.
Recentemente, lecionando para alunos
de cursos técnicos e de aprendizagem em escolas técnicas de BH, pude constatar
que os alunos, com idades diferentes e mesmo com históricos de vida
diversificados, tendem a recusar a figura da escola materna, que ainda os
mantém na alienação. “(...) as diferenças não provêm das desigualdades sociais,
culturais ou de oportunidades, e sim das diferenças individuais” (PEREIRA,
2008, p.27). O que percebo é que, mesmo com semelhantes ideias de formação, em
uma escola com formato diferente da escola regular, o que eles têm em comum é a
tentativa de fugir do assujeitamento que a escola lhes impõe. Dizendo de outra
maneira, eles ainda reconhecem um outro lugar na história que constroem, o que
os define como sujeitos do desejo, da satisfação pulsional.
O sujeito de que nos fala a
psicanálise, movido por pulsões, surge no ambiente escolar e são chamados a
atenção o tempo todo, ou seja, ele é diariamente corrigido pela escola, através
da figura do professor, que reforça nessa chamada de atenção o que falta nesse
aluno para que ele se adapte ao sistema e à escola. Para esse aluno, em
constante chamada da escola, não quer adaptar-se a essa escola, porque ao
ajustar-se àquilo que a escola deseja, significa voltar ao mesmo lugar da
infância. “O sujeito do qual se fala aqui é o sujeito como efeito de discurso;
como efeito das relações que produzem discursos, produzem palavras,
materializadas em falas” (PEREIRA, 2008 , p.26).
Os conflitos partem, justamente, do
desejo do aluno de sair da infância, de não ser controlado pela escola e, por
isso, de tentar não se assujeitar ao modelo infantil que a escola lhe impõe,
quando, na verdade, ele luta para fazer a sua própria história como adulto.
“Segundo Freud (1996[1914]), o
professor só será ouvido se estiver revestido, por seu aluno, de uma
importância fundamental que o faça se tornar alvo de investimento desse aluno.”
O professor, desmotivado diante de suas inúmeras tentativas de investimento
nesse aluno, enfrenta, portanto, problemas relacionais. Essa relação é condição
para que ocorra a transferência, (TIZIO, 2003, p.126). Na transferência, o
exercício do educador é de produzir o desconhecido e é o não saber que permite
um conhecimento. A psicanálise se tangencia à educação em muitos momentos em
que o ato de educar acontece.
Uma das grandes dificuldade que
observo nos problemas relacionais da educação é o da capacidade que o
professor, saindo um pouco da sua posição narcísica, do seu lugar de mestre, de
escutar o seu aluno. Escutar implica um deslocamento da posição narcísica, do
lugar de mestre e de poder sobre o outro. O analista precisa dar atenção à
singularidade do sujeito, estar atento ao que ouve e ter curiosidade em sua
escuta, como nos diz Lacan (1979). Talvez, se o docente, ao reconhecer a
singularidade do aluno que tem, destituído, provisoriamente, do seu poder de
mestre, podendo dar mais atenção ao que realmente importa na sala de aula, ele
poderia perceber grandes novidades no processo de educar. Entretanto, ainda
parece ser algo muito difícil para o professor, deixar de lado algumas verdades
(crenças) que ele sustentou durante tantos anos.
Por outro lado, não tendo quem o escute, o
aluno tende a chamar a atenção de outra forma. A indisciplina e o desinteresse
são formas de recusa da figura da escola, da figura do professor. São maneiras
de dizer que ele ainda continua na alienação, repetindo o mesmo modelo infantil
que já lhe é conhecido, modelo esse, do qual ele continua tentando fugir.
Marília Mendes
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS