02 junho 2015


                 NEM MAIS PARIS ACREDITA NO AMOR
                                                 Por Fabrício Carpinejar

A engenharia venceu o amor. O cálculo superou a superstição. A prevenção arrebentou o romantismo. Nem Paris mais acredita no amor. Nem mais Paris.

A cidade terminou com uma tradição secular dos apaixonados de colocar um cadeado de seu romance na Ponte des Arts, nas imediações do Museu de Louvre. O medo de que a construção pudesse desabar desfez o segredo de tantas juras, de tantos nomes devotados. Sem piedade, foram retiradas 45 toneladas de cadeados perpetuadas por uniões arrebatadas, por casais fulminados pelo desejo de passar o resto do seu tempo com alguém.

A cidade de luz virou a cidade das sombras. Tal ladra traiçoeira, armada de alicates e serras elétricas, arrebentou as promessas de vida eterna de seus moradores e turistas. Não tinha a chave e a permissão para destruir as palavras de metal, para amaldiçoar o voto de fidelidade e lealdade. Não desfrutava de autorização para separar duas bocas se guardando. Invadiu a privacidade do enlace, o território do inefável, o mistério de uma noite estrelada.

Paris roubou o coração de milhões de pares ingênuos e crédulos. Traiu a natureza mineral de sua arte, já que a capital francesa é feita do bronze do Rodin. Derrubou uma árvore de barcos, carregada de frutos dourados. Derreteu alianças desprezando o próprio altar que criou. Estornou beijos e abraços sussurrados, cuspiu de volta as palpitações e os rumores do rio Sena.

Paris raspou o mel da lua, desidratou o sol, rompeu as trancas da fé.

Não existem atenuantes para o crime. Não vale trocar os gradis por placas ou campanhas de selfie.

O ato é de uma violência simbólica imperdoável. Como se a Fonte da Saudade arremessasse de volta todas as moedas depositadas em suas águas nas costas de seus fiéis.

Nem Paris dos cupidos e anjos nos altos dos prédios confia mais no casamento.

Talvez nunca tenha entendido o sentido de amar: o amor pesa, destrói pontes, deixa os amantes realmente ilhados. E isso jamais foi uma metáfora.

Disponível em < http://oglobo.globo.com/blogs/fabricio-carpinejar/posts/2015/06/02/nem-mais-paris-acredita-no-amor-567677.asp>Acesso em 02/06/2015.