21 janeiro 2012


O LEITOR ÍNTIMO

Depois de quatro anos atuando como jornalista na internet, resolvi colocar no papel algumas reflexões e sentimentos sobre o impacto que esta nova especialidade está produzindo no meu ofício. Resultou deste esforço a série Tipos de Leitor, que comecei a publicar em março.
Muita gente criticou a série, por enxergar nos textos uma tentativa de desqualificar os leitores que comentam o meu trabalho. Lamento dizer que é exatamente o oposto. O que me move é justamente o fascínio pela nova forma de relação entre jornalista e leitor promovida pelo meio (a internet) que mudou a forma de se fazer jornalismo.
Uma imagem que sempre me orientou no trabalho, ouvida quando ainda escrevia numa Remington, é que o primeiro parágrafo de qualquer texto deveria produzir no leitor o impacto que alguém sente, numa briga, ao ser agarrado pelo colarinho da camisa e levantado do chão.
Procuro até hoje não perder de vista esta imagem, e sigo tentanto agarrar o leitor pela camisa, mas agora, ao mesmo tempo, também enxergo outra. Desde que passei a publicar na internet, escrevo pensando que o leitor, a qualquer momento, sairá de dentro da tela do computador, me agarrará pela camisa e me fará perguntas e críticas. “Por que você escreveu isso?” “O que quis dizer?” “Viu o erro que cometeu?” E por aí vai…
Já é lugar comum falar deste impacto – a presença do leitor – no trabalho do jornalista, a diferença entre receber uma ou duas cartas por causa de um texto e hoje ver 300 comentários por conta de outro. Não vou me estender sobre isso.
Menos discutido, creio, é a ilusão de proximidade que este leitor sente. Assim como eu o enxergo saindo da tela para me interpelar, ele também se imagina na mesma situação, entrando no meu escritório para conversar, discutir e contestar os meus textos. E, pior, ele supõe estar estabelecendo uma relação de intimidade com o autor.
Vou dar dois exemplos recentes que reforçam este meu ponto de vista.
Gosto de acompanhar os comentários da atriz Luana Piovani no Twitter. Ela é desbocada, engraçada e, muitas vezes, incompreensível. Sempre me divirto com o que ela escreve e, eventualmente, reproduzo. Uma leitora reclamou: “Vou deixar de seguir @mauriciostycer porque ele dá RT na Piovanta! Pior que tem meia dúzia de jornalistas que se dizem sérios como o @mauriciostycer que fazem questão de dar RT nas merdas da PIOVANTA.” É evidente a decepção da leitora comigo. Na imagem dela, são coisas incompatíveis um “jornalista sério”, como supostamente eu seria, gostar do que Luana Piovani escreve.
A Globo exibiu no domingo o Festival Promessas, um evento destinado a cantores gospel. Foi, tudo indica, um gesto de aproximação com evangélicos. Li muitos textos a esse respeito, inclusive no UOL, e não vi motivos para tratar do assunto no meu blog. Posso ter feito uma avaliação errada, mas para os leitores que me inundaram de mensagens, cobrando um texto a respeito, a razão é outra: “Me contaram que você é evangélico, não sabia. Então deve ter vibrado com o Festival Gospel da Rede Globo, tá explicado”.
Os dois casos mostram reações de pessoas que parecem acreditar na ilusão de que me conhecem e entendem tanto quanto eu do meu trabalho. Parecem achar, de fato, que entram pela tela do computador e me vêem.
É preciso aprender a lidar com esta expectativa, mas isso não significa se render a ela. Aprendo demais com os leitores, leio tudo que me escrevem, levo muito em consideração o que dizem e publico todos os comentários que me ofendem, excluindo apenas os que possam configurar crime.
Continuo tentando entendê-los, motivo pelo qual não vou parar com a série Tipos de Leitor. Aceito, por isso, em contrapartida, que o leitor me rotule como quiser. Só espero que ele tenha, como eu tenho, humildade de reconhecer que ainda não nos conhecemos o suficiente.
(No cartoon acima, publicado na revista “New Yorker”, um cão diz ao outro: “Na internet, ninguém sabe que você é um cachorro”)

 O LEITOR DOS SONHOS

O Leitor dos Sonhos não lê apenas o título, mas todo o texto, antes de comentar.
Critica, protesta, reclama, até xinga o blogueiro, mas sempre apresenta argumentos.
Corrige lapsos, aponta contradições.
Sugere, acrescenta, aponta alternativas ao ponto de vista do blogueiro.
O Leitor dos Sonhos recomenda a leitura do blog a outros leitores mesmo quando discorda.
Nas redes sociais, discute, pergunta, comenta, faz piadas. Diverge, explica, defende suas ideias. Provoca. Interpreta. Confunde, causa confusão.
O Leitor dos Sonhos leva o blogueiro a pensar, eventualmente a mudar de opinião ou a rever conceitos.
Nunca está satisfeito. Vê pelo em ovo, se decepciona com as posições do autor, cobra posturas diferentes, ameaça abandoná-lo, mas nunca deixa de dar o seu palpite.
Eventualmente não fala nada, mas dá ao blogueiro a honra da sua companhia neste blog.
O Leitor dos Sonhos acompanhou esta série e, identificando-se ou não com os tipos aqui descritos, entendeu que se tratava de uma homenagem a todos que ainda que se dispõem a ler.
O Leitor dos Sonhos existe aos montes e é por causa deles, e para eles, que sigo escrevendo.
PS: Com este texto, encerro, ao menos por ora, a série Tipos de Leitor, que pode ser lida aqui ou, na lateral direita do blog, em Categorias, no último item incluído.

O PROFESSOR PASQUALE

Todo mundo conhece bem este tipo, presente em qualquer blog e no Twitter. Não importa o assunto. O importante é a discussão estar quente. É quando ele aparece para, com alguma superioridade, observar: “Como é que vocês querem discutir política se não sabem escrever português corretamente?” Ou: “Aprendam primeiro a escrever EXCEÇÃO antes de opinar”. Ou ainda: “Não é DESCORDAR e sim DISCORDAR. Maldita inclusão digital!”
De fato, a caixa de comentários dos blogs é um terreno fértil para identificar problemas recorrentes no uso da língua portuguesa. O que me incomoda no Professor Pasquale não é esta sua preocupação com a gramática e a ortografia, legítima, por sinal, mas o tom de superioridade e arrogância que muitas vezes adota.
Há maneiras e maneiras de corrigir publicamente os erros alheios. Já escrevi uma vez sobre este episódio, mas não custa repetir. É um belo exemplo, na minha opinião, sobre como agir com cordialidade em casos de erros de português em espaços públicos. Deu-se no final de 2007, se não me engano.
A ESPN Brasil exibia o “Bate-bola – segunda edição”. O apresentador João Carlos Albuquerque informou que Kaká havia acabado de ser premiado com a Bola de Ouro, o tradicional prêmio concedido pela revista “France Football” ao melhor jogador do ano. O programa então mostrou uma entrevista gravada com o jogador, ao longo da qual Kaká falou da alegria de ter sido escolhido e informou: “Esse prêmio vai para a minha sala de TROFÉIS”.
A entrevista prosseguiu por mais alguns instantes até que a transmissão voltou para o estúdio. Albuquerque tomou a palavra e falou (cito de cabeça): “Esse é um programa assistido por muitos jovens. Então, temos também uma função educativa. O plural de palavras terminadas em ‘éu’ é sempre ‘éus’. Chapéus, troféus, réus e assim por diante”.
Sem citar Kaká e o seu atentado gramatical, Albuquerque deu uma grande lição, ao vivo – mostrando que um bom jornalista precisa ter cultura e jogo de cintura, além de consciência sobre o seu papel num país com tantas deficiências quanto o Brasil.
Cheguei a cogitar, quando comecei a escrever em blog, corrigir erros crassos de leitores sem avisar. Mais do que o tempo que isso me custaria, desisti da ideia por achar que seria uma interferência indevida na comunicação.
É um tema complexo e delicado. No Twitter, cheguei a fazer algumas observações públicas sobre erros cometidos por pessoas famosas. Não faço mais. Percebi que muita gente se sentia ofendida pela correção de mancadas alheias.
Em tempo: Sou amigo do professor Pasquale Cipro Neto, que conheci na redação da “Folha” na década de 90 e reencontrei inúmeras vezes, a última na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Acho o seu trabalho exemplar. Ao batizar um “tipo de leitor” com o seu nome quis prestar uma homenagem a ele.
PS. Quem quiser ler os outros textos da série Tipos de Leitor basta clicar aqui ou, na lateral direita do blog, em Categorias, no último item incluído.

Disponível em <  http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/tag/tipos-de-leitor/>