05 julho 2013


FORBES, J. Inconsciente e Responsabilidade. Editora Manole, 2012.



Tomada em seu conjunto, a obra de Jorge Forbes, não obstante a diversidade de seus temas e de seus aforismos, é atravessada pelo tratamento que se dá ao inconsciente, levado ao ser falante, ao se responsabilizar por aquilo que chamamos de desejo. Se, aparentemente, os termos responsabilidade e inconsciente são considerados excludentes, para Forbes (2012), o psicanalista do nosso século é visto como aquele que permite ao analisando querer o que se deseja.
O que se pretende relacionar nesta resenha, a partir da leitura dos capítulos 5, 6 e 7 (FORBES, 2012), diz respeito à psicanálise em sua clínica, à posição de sujeito em que nos encontramos e, por isso, sempre responsáveis. Ao mesmo tempo, refletir sobre o empenho do escritor ao trabalhar em função do desejo, o conjunto de valores que constituem a moral e a ética. É no esteio desse lugar do imprevisto e do real, que proponho, a partir do provérbio judaico "Cuidado com o que desejas, pois poderás ser atendido", uma reflexão acerca do desejo que nos habita nos limiares fomentados pelo peso da responsabilidade.
O que se configura em Forbes (2012), a partir da psicanálise herdada de Jacques Lacan, sobretudo pelo foco do real, muito além da palavra, tomando como base a segunda clínica, é o desenvolvimento da ideia de que o inconsciente se encontra com o acaso, apostando na responsabilidade e na invenção. Considerando o fenômeno da globalização, a psicanálise é tratada a partir do laço social atual. Forbes (2012-p.117) reconhece que a família não oferece mais o nome do desejo. O lugar do pai tornou-se relativo. A escola, ainda que seja entendida como um espaço de recolhimento real, também sofre os efeitos da psicanálise. As profissões, antes consideradas supremas, já não se sustentam mais. O que prevalece, em quaisquer das formas de efeito que a psicanálise tem sobre a família, a escola e a empresa, é, portanto, a preocupação com o futuro, com a inovação.
Pode-se dizer, junto com Forbes (2012), que na clínica lacaniana, o psicanalista está sempre presente. Ele assume o lugar do real, não do real previsível, mas do imprevisto. Revisitando o desejo humano, Lacan propõe a gratidão a quem não nos deu o que pedimos. As angústias e as dúvidas fazem parte do nosso século. O psicanalista não busca, contudo, solucionar os conflitos. Ele transforma o particular em singular. Seu foco é a singularidade da pessoa. A psicanálise de hoje ultrapassa o interesse da clínica exclusiva do consultório. Ela revê o laço social , seja na política, na família ou na sociedade em geral.

Vale notar que à prova do homem desbussolado de que nos fala Forbes (2012), vive um sujeito em busca de sua singularidade, no duro caos contra si e contra o mundo. Na mudança do eixo das identidades, surge o homem desbussolado, destituído de suas marcas tradicionais. O mundo engendrado pela sociedade capitalista encontra na disciplina e no controle, a cura do desbussolamento do pós-modernismo, quando, na verdade, como pensa o filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) e o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), “A responsabilidade é o cuidado reconhecido como obrigação em relação a um outro ser, que se torna ‘preocupação’ quando há uma ameaça à sua vulnerabilidade.” Assim, fica mais fácil assumir a responsabilidade daquilo que se ama.
Desse modo, ao imprimir uma torção nos novos valores familiares, Forbes vê a família como o centro da responsabilidade ética. Se não há desejo sem falta, é pela insatisfação com a própria família, que o sujeito define o que lhe falta, ou seja, o seu próprio desejo. Ao confrontar-se com o outro, percebe-se o que Freud chamou de “o estranho”. É a intimidade estranha, por assim dizer, que serve de guia ético para o mundo em que vivemos. O que é estranho exige invenção e responsabilidade.
Perder o Norte fez com esse novo homem, que se sustenta pelo real e não mais pela palavra, começasse a sofrer a distorção dos valores. Irrompe aqui uma nova questão para uma nova família. Como defini-la, considerando seu novo status? O que o sujeito tem como herança é a castração, uma nomeação do real por Forbes. A família tornou-se o lugar de confronto com o real, nomeando o desejo de cada um. O amor, bem como a família, já não se reporta, assim, à tradição. O amor no mundo pós-moderno pede invenção e responsabilidade. E onde residia a disciplina do comportamento moral, pede-se a responsabilidade de um querer ético, segundo Forbes (2012). O amor é visto como um contrato de risco, tanto quanto é a vida, marcada pelo desejo.
 A psicanálise defende uma ética da responsabilidade, o que implica em falar sobre singularidade. Muito se tem debatido sobre o “querer” e o “desejar” do ser humano. Enquanto querer consiste em algo que se compreende, desejar é algo singular de cada um, de difícil compreensão. Desejar é da ordem da insatisfação, uma vez que, ao se ter o que deseja, a sensação de morte, segundo Forbes, vem como algo que nos foi perdido. Daí a necessidade de reinventar o prazer.
Poder-se-ia pensar na ideia de que estar junto não significa necessariamente compreender. Aquele velho discurso compreensivo cedeu lugar à renovação ética. Os monólogos articulados substituíram os diálogos compreensíveis. O facebook é um típico monólogo articulado. Alguém posta algo que ressoa, ou não, em outro amigo, abrindo novas perspectivas. Vivemos a época que exige inventar, responsabilizar-se e publicar. Trata-se de uma responsabilidade ética, não moral, porque não se apropria de qualquer modelo de comportamento.
 Entende-se, pois, que vamos nos responsabilizando por aquilo que chamamos de nosso desejo. Mas ainda questiono sobre esse desejo que nos habita: Como podemos ser responsáveis, se este desejo é inconsciente? E o que, talvez, ainda contribua com as nossas angústias: desejar aquilo que pode ser atendido é conviver com a dúvida. O fato é que não estamos preparados para a realização desse desejo. Não estamos preparados para o acaso ou para a surpresa e, por isso, não sabemos lidar com a felicidade.
Mestre em Linguística Aplicada
Faculdade de letras da UFMG
Disponível em< lilamendes.blogspot.com.br>Acesso em 10/09/2017. Adaptado.





REFERÊNCIAS
JONAS, H, “O Princípio Responsabilidade”, Rio de Janeiro: Contraponto, 2006, 351.

LACAN, J, “A Ciência e a Verdade”. In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, 873

FORBES, Jorge. Felicidade não é bem que se mereça. Opção Lacaniana: Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo, n. 54, p. 55-59, maio 2009. Disponível em: <http://www.jorgeforbes.com.br/br/artigos/felicidade-nao-e-bem-que-se-mereca-versao-completa.html> Acesso em: 02 jul. 2013.