FORBES,
J. Inconsciente e Responsabilidade. Editora Manole, 2012.
Tomada em seu conjunto,
a obra de Jorge Forbes, não obstante a diversidade de seus temas e de seus aforismos, é
atravessada pelo tratamento que se dá ao inconsciente, levado ao ser falante,
ao se responsabilizar por aquilo que chamamos de desejo. Se, aparentemente, os
termos responsabilidade e inconsciente são considerados excludentes, para
Forbes (2012), o psicanalista do nosso século é visto como aquele que permite
ao analisando querer o que se deseja.
O que se pretende
relacionar nesta resenha, a partir da leitura dos capítulos 5, 6 e 7 (FORBES,
2012), diz respeito
à psicanálise em sua clínica, à posição de sujeito em que nos encontramos e,
por isso, sempre responsáveis. Ao mesmo tempo, refletir sobre o empenho do
escritor ao trabalhar em função do desejo, o conjunto de valores que constituem
a moral e a ética. É no esteio desse lugar do imprevisto e do real, que
proponho, a partir do provérbio judaico "Cuidado com o que desejas, pois
poderás ser atendido", uma reflexão acerca do desejo que nos habita nos
limiares fomentados pelo peso da responsabilidade.
O que se configura em Forbes (2012), a partir da psicanálise
herdada de Jacques Lacan, sobretudo pelo foco do real, muito além da palavra,
tomando como base a segunda clínica, é o desenvolvimento da ideia de que o
inconsciente se encontra com o acaso, apostando na responsabilidade e na
invenção. Considerando o fenômeno da globalização, a psicanálise é tratada a
partir do laço social atual. Forbes (2012-p.117) reconhece que a família não
oferece mais o nome do desejo. O lugar do pai tornou-se relativo. A escola,
ainda que seja entendida como um espaço de recolhimento real, também sofre os
efeitos da psicanálise. As profissões, antes consideradas supremas, já não se
sustentam mais. O que prevalece, em quaisquer das formas de efeito que a
psicanálise tem sobre a família, a escola e a empresa, é, portanto, a
preocupação com o futuro, com a inovação.
Pode-se dizer, junto
com Forbes (2012),
que na clínica lacaniana, o psicanalista está sempre presente. Ele assume o
lugar do real, não do real previsível, mas do imprevisto. Revisitando o desejo
humano, Lacan propõe a gratidão a quem não nos deu o que pedimos. As angústias
e as dúvidas fazem parte do nosso século. O psicanalista não busca, contudo,
solucionar os conflitos. Ele transforma o particular em singular. Seu foco é a
singularidade da pessoa. A psicanálise de hoje ultrapassa o interesse da
clínica exclusiva do consultório. Ela revê o laço social , seja na política, na
família ou na sociedade em geral.
Vale notar que à prova
do homem
desbussolado de que nos fala Forbes (2012), vive um sujeito em busca de sua
singularidade, no duro caos contra si e contra o mundo. Na mudança do eixo das
identidades, surge o homem desbussolado, destituído de suas marcas
tradicionais. O mundo engendrado pela sociedade capitalista encontra na
disciplina e no controle, a cura do desbussolamento do pós-modernismo, quando,
na verdade, como pensa o filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) e o
psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), “A responsabilidade é o cuidado
reconhecido como obrigação em relação a um outro ser, que se torna
‘preocupação’ quando há uma ameaça à sua vulnerabilidade.” Assim, fica mais
fácil assumir a responsabilidade daquilo que se ama.
Desse modo, ao imprimir uma torção nos novos
valores familiares, Forbes vê a família como o centro da responsabilidade
ética. Se não há desejo sem falta, é pela insatisfação com a própria família,
que o sujeito define o que lhe falta, ou seja, o seu próprio desejo. Ao
confrontar-se com o outro, percebe-se o que Freud chamou de “o estranho”. É a
intimidade estranha, por assim dizer, que serve de guia ético para o mundo em
que vivemos. O que é estranho exige invenção e responsabilidade.
Perder o Norte fez com esse novo homem, que se sustenta pelo
real e não mais pela palavra, começasse a sofrer a distorção dos valores. Irrompe
aqui uma nova questão para uma nova família. Como defini-la, considerando seu
novo status? O que o sujeito tem como herança é a castração, uma nomeação do
real por Forbes. A família tornou-se o lugar de confronto com o real, nomeando
o desejo de cada um. O amor, bem como a família, já não se reporta, assim, à
tradição. O amor no mundo pós-moderno pede invenção e responsabilidade. E onde
residia a disciplina do comportamento moral, pede-se a responsabilidade de um
querer ético, segundo Forbes (2012). O amor é visto como um contrato de risco,
tanto quanto é a vida, marcada pelo desejo.
A psicanálise defende
uma ética da responsabilidade, o que implica em falar sobre singularidade. Muito
se tem debatido sobre o “querer” e o “desejar” do ser humano. Enquanto querer
consiste em algo que se compreende, desejar é algo singular de cada um, de
difícil compreensão. Desejar é da ordem da insatisfação, uma vez que, ao se ter
o que deseja, a sensação de morte, segundo Forbes, vem como algo que nos foi
perdido. Daí a necessidade de reinventar o prazer.
Poder-se-ia pensar na ideia de que estar junto não significa
necessariamente compreender. Aquele velho discurso compreensivo cedeu lugar à
renovação ética. Os monólogos articulados substituíram os diálogos
compreensíveis. O facebook é um típico monólogo articulado. Alguém posta algo
que ressoa, ou não, em outro amigo, abrindo novas perspectivas. Vivemos a época
que exige inventar, responsabilizar-se e publicar. Trata-se de uma
responsabilidade ética, não moral, porque não se apropria de qualquer modelo de
comportamento.
Entende-se, pois, que vamos nos responsabilizando por
aquilo que chamamos de nosso desejo. Mas ainda questiono sobre esse desejo que
nos habita: Como podemos ser responsáveis, se este desejo é inconsciente? E o
que, talvez, ainda contribua com as nossas angústias: desejar aquilo que pode
ser atendido é conviver com a dúvida. O fato é que não estamos preparados para
a realização desse desejo. Não estamos preparados para o acaso ou para a
surpresa e, por isso, não sabemos lidar com a felicidade.
Mestre em Linguística Aplicada
Faculdade de letras da UFMG
Disponível em< lilamendes.blogspot.com.br>Acesso
em 10/09/2017. Adaptado.
REFERÊNCIAS
JONAS,
H, “O Princípio Responsabilidade”, Rio de Janeiro: Contraponto,
2006, 351.
LACAN,
J, “A Ciência e a Verdade”. In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1998, 873
FORBES, Jorge. Felicidade não é
bem que se mereça. Opção Lacaniana: Revista Brasileira
Internacional de Psicanálise, São Paulo, n. 54, p. 55-59, maio
2009. Disponível em:
<http://www.jorgeforbes.com.br/br/artigos/felicidade-nao-e-bem-que-se-mereca-versao-completa.html>
Acesso em: 02 jul. 2013.