Os voos de avião sempre reduzem o tempo das nossas viagens.Dessa vez, voltando do Paraná,encontrei aquela senhora a bordo, lendo minhas revistas junto comigo.Sem nenhuma cerimônia, ela tira os óculos da bolsa preta envelhecida e debruça sobre o meu lado esquerdo,tomando para si toda a minha leitura particular.Eu aguardava seus movimentos, achando engraçada aquela cena.No entanto, ela ainda pediu para segurar a revista.Eu disse que terminaria de ler e, em seguida, poderia emprestá-la.Mas ela foi direta. Queria ler naquela hora, exata. Eu tentava explicá-la que a revista era minha e que poderia emprestá-la mais tarde.Ela insistiu e minha paciência foi ficando miúda.Também não era de tamanha urgência que eu terminasse de ler ali.
Eis que empresto a revista, vagarosamente.Ela recebe a revista, com sede de tê-la consigo,posiciona as folhas entreabertas no colo e comenta que revista de fofocas era a sua preferência. Eu ria e dizia que aquela não era uma revista do gênero, mas que havia reportagens interessantes que pudessem ser lidas por ela.
Ela estava frenética. Entusiasmada pelo próprio interesse, sugeriu que eu lesse também as revistas que comentam sobre as telenovelas e eu fiz um gesto de desaprovação. Ainda assim. a senhora comentou que achou horrível o final de Tititi e perguntou o que eu achava.Eu, simples e neutra naquele convite de breve assunto para avião, respondi que não assistia à novela por falta de tempo. Amenizei meu despreparo para essas narrativas.
Sugeri a reportagem do Nobel de 2010. Apresentei-lhe o peruano Vargas Llosa e contei-lhe um pouco sobre como a política fazia parte da identidade do romancista de maior prestígio nas Américas.Sinceramente, tudo em vão.Sem reserva, a gosto do real destempero, ela enfatizou sob o olhar testemunho da comissária:"Não gosto de homens com mais de 50. Aprecio aqueles mais jovens, do tipo que faz academia".Não demorou, as fileiras vizinhas caíram em um riso alto e prolongado.Foi quando, ela se virou para trás, abusada e quase de pé, presa pelo cinto, que na sua cintura,parecia mal afivelado e mudou o tom de voz com três jovens moças que tentavam disfarçar o riso: " Para cavalo velho,é pasto novo."
A comissária anunciou o famoso preparar para o pouso e encerrava ali aquele fino e folclórico verbete em que se encerram as palavras. Em solo, ela esticou a mão, despediu-se simpaticamente.Disse que Brasília era uma terra que ela amava e tinha histórias boas para recordar . Quando eu demonstrei que queria a revista de volta, ela destacou em outro tom de voz, mais humilde e mais baixo: -" Dê cá essa revista para mim, minha filha. Minha filha vai gostar de ler.Ela se parece com você.Alta, morena cor de jambo,bonita..."
Sem saber se era um pedido ou uma ordem, entreguei a revista, novinha em folha, sem tê-la saboreado integralmente como propus no início do voo.Quis ser gentil. Amável como se deve ser com as senhoras que contam casos e nos fazem rir. Pronto!Deixei-a vencer-me pelo respeito com a idade.
Ela desceu, muito devagar, foi à espera das malas.Sorrateiramente, guardou a revista e eu não observei direito onde.No desembarque, um homem alto, postado em um terno preto e e com gravata coloridamente vermelha ou vinho, foi ao seu encontro e beijou-lhe as mãos. Aparece a revista.Ela entrega a revista fresca da loja ao jovem elegante e pronuncia que era um presente que ela havia lhe comprado em Curitiba. Ele sorri, agradece e diz que não precisava ter se preocupado.Chama-a de mamãe.Os dois se abraçam.
Eu fiquei observando. Agora mais próxima do que antes.Foi quando ela virou-se para mim, sorriso de lado, sincero ou não, e piscou envaidecida.
Eu empurrei o carrinho com as malas.Mais complacente que intrigada e virei à direita. Não havia lição de viagem nem comentário sobre comportamento.Não estava ali para filosofar.Apenas balancei a cabeça.Compraria outra revista na livraria que apareceu em frente.Desisti.Precisava voltar ao trabalho depois de cinco dias fora.
A bordo, talvez o medo de avião ainda incomode alguns passageiros. Pedir é um gesto de polimento.Respeito aos mais velhos.Eu queria apenas mais uma frase folclórica para justificar o que não se justifica.Chamei o táxi.
Marília Mendes