A
IMAGEM QUE COMOVEU O MUNDO
Ilustração 1: http://thoth3126.com.br/tragedia-do-menino-sirio-morto-afogado-gera-onda-de-solidariedade-na-europa/ |
Por Sidney
Eduardo Affonso
No dia em que ia
morrer, Aylan Kurdi usava calças azuis e uma camiseta vermelha. A
mãe deve tê-lo penteado, ainda que fossem poucos os fios, e tão
finos. Agachando-se diante dele, ou segurando-o sobre os joelhos,
amarrou-lhe os sapatos e fez, pela última vez, o laço. Aylan
caminhou até o porto, com passinhos curtos, ou foi levado no colo?
No colo, possivelmente- os braços envolvendo o pescoço da mãe,
cabeça reclinada sobre o ombro dela - para não atrasar a marcha
rumo à morte.
Até ontem, o mundo não conhecia
Aylan, sírio, três anos. Hoje, sua boca colada à areia, as
mãozinhas com as palmas para cima, estampam jornais, deslizam nas
telas dos computadores, se agarram à nossa retina.
Ao contrário de outras dezenas
(milhares?) que foram dar à praia, ou jazem do fundo do mar, de
Aylan se sabe o nome, a idade, e que tinha um irmão, que também
caminhou com ele (ou foi levado no colo, pelo pai) naquela madrugada,
rumo ao porto. E esse nome o humaniza (dar nome a uma coisa é uma
forma de amá-la). O corpo anônimo emborcado na praia é um ilegal,
uma estatística - Aylan, sírio, três anos, trazido pelas ondas, é
a criança que fomos, a que levamos ao pediatra, a que dorme no berço
ao lado da nossa cama.
A vida não foi cruel com Aylan.
Poupou-o de morrer na guerra, entre poeira, gritos e estilhaços. De
ser mutilado, ver a mãe estuprada, o pai degolado. Poupou-o da fome
nos campos de refugiados. Poupou-o da longa jornada sobre os trilhos
até ser barrado pelos soldados de Montenegro. Poupou-o das cercas de
arame farpado da Hungria, dos caminhões frigoríficos da Áustria,
das patrulhas da Inglaterra sob o Canal da Mancha - da polícia
italiana, dos xenófobos franceses, dos neonazistas alemães.
Em três, quatro minutos, a água
salgada invadiu suas narinas, inundou seus pulmões. Nesses infinitos
três, quatro minutos, procurou pela mãe, pelo braço do pai, sem
entender porque o abandonavam. Então sentiu sonolência - e mar,
mãe, medo se tornaram uma coisa só, depois coisa nenhuma.
Aylan não sabia, naquela manhã,
que era para a morte que o vestiam de camiseta vermelha e calças
azuis. Na foto em que se deu a conhecer ao mundo, o Mediterrâneo,
não a mãe, é que penteia seus cabelos.
Não consigo fixar o olhar no seu
rosto, nem me demorar nas suas mãos vazias. O que me afoga, junto
com ele, com as esperanças de tantos que fogem como ele e ficam pelo
caminho, são seus sapatinhos.
1. O
assunto tratado no texto diz respeito à guerra civil na Síria, que
já dura mais de dois anos e meio, deixando mais de dois milhões de
refugiados, segundo a ONU; entre eles, a família do menino Aylan
Kurdi, vítima da guerra na última semana. Observando
as características próprias desse tipo de texto, IDENTIFICAM-SE
as seguintes funções da linguagem
(a)
referencial e metalinguística
(b)
conativa e emotiva
(c)
referencial e poética
(d)
fática e emotiva
(e)
metalinguística e emotiva
b)
Justifique sua resposta, tomando como base os elementos da
comunicação que se destacam no texto.
O texto apresenta a mensagem como elemento enfático, da mesma forma que se utiliza de um vocabulário sensível e poético ao retratar a imagem que abalou o mundo e se tornou o símbolo da crise humanitária. A descrição do garoto Aylan é feita com sentimento e com detalhamento, desde as suas vestes ao seu comportamento inocente, diante da morte.
2.Nos itens abaixo
todas as figuras de linguagem foram corretamente classificadas,
exceto em
(a)
Na
foto em que se deu a conhecer ao mundo, o Mediterrâneo,
não a mãe, é que penteia seus cabelos. (METONÍMIA)
(b)
A
mãe deve tê-lo penteado, ainda que fossem
poucos os fios,
e tão finos.
(ALITERAÇÃO)
(c)
Então
sentiu sonolência
- e mar, mãe, medo se tornaram uma coisa só, depois coisa
nenhuma.(EUFEMISMO)
(d)
Aylan
não sabia, naquela manhã, que era para a morte que o vestiam de
camiseta vermelha e calças azuis.(SINESTESIA)
(e)
No
colo, possivelmente- os braços envolvendo o pescoço da mãe, cabeça
reclinada sobre o ombro dela - para não atrasar a
marcha rumo à morte. (METÁFORA)
CRÉDITO DAS QUESTÕES: Professora Marília Mendes