16 setembro 2015

A IMAGEM QUE COMOVEU O MUNDO
Ilustração 1: http://thoth3126.com.br/tragedia-do-menino-sirio-morto-afogado-gera-onda-de-solidariedade-na-europa/


Por Sidney Eduardo Affonso



No dia em que ia morrer, Aylan Kurdi usava calças azuis e uma camiseta vermelha. A mãe deve tê-lo penteado, ainda que fossem poucos os fios, e tão finos. Agachando-se diante dele, ou segurando-o sobre os joelhos, amarrou-lhe os sapatos e fez, pela última vez, o laço. Aylan caminhou até o porto, com passinhos curtos, ou foi levado no colo? No colo, possivelmente- os braços envolvendo o pescoço da mãe, cabeça reclinada sobre o ombro dela - para não atrasar a marcha rumo à morte.

Até ontem, o mundo não conhecia Aylan, sírio, três anos. Hoje, sua boca colada à areia, as mãozinhas com as palmas para cima, estampam jornais, deslizam nas telas dos computadores, se agarram à nossa retina.

Ao contrário de outras dezenas (milhares?) que foram dar à praia, ou jazem do fundo do mar, de Aylan se sabe o nome, a idade, e que tinha um irmão, que também caminhou com ele (ou foi levado no colo, pelo pai) naquela madrugada, rumo ao porto. E esse nome o humaniza (dar nome a uma coisa é uma forma de amá-la). O corpo anônimo emborcado na praia é um ilegal, uma estatística - Aylan, sírio, três anos, trazido pelas ondas, é a criança que fomos, a que levamos ao pediatra, a que dorme no berço ao lado da nossa cama.

A vida não foi cruel com Aylan. Poupou-o de morrer na guerra, entre poeira, gritos e estilhaços. De ser mutilado, ver a mãe estuprada, o pai degolado. Poupou-o da fome nos campos de refugiados. Poupou-o da longa jornada sobre os trilhos até ser barrado pelos soldados de Montenegro. Poupou-o das cercas de arame farpado da Hungria, dos caminhões frigoríficos da Áustria, das patrulhas da Inglaterra sob o Canal da Mancha - da polícia italiana, dos xenófobos franceses, dos neonazistas alemães.

Em três, quatro minutos, a água salgada invadiu suas narinas, inundou seus pulmões. Nesses infinitos três, quatro minutos, procurou pela mãe, pelo braço do pai, sem entender porque o abandonavam. Então sentiu sonolência - e mar, mãe, medo se tornaram uma coisa só, depois coisa nenhuma.

Aylan não sabia, naquela manhã, que era para a morte que o vestiam de camiseta vermelha e calças azuis. Na foto em que se deu a conhecer ao mundo, o Mediterrâneo, não a mãe, é que penteia seus cabelos.

Não consigo fixar o olhar no seu rosto, nem me demorar nas suas mãos vazias. O que me afoga, junto com ele, com as esperanças de tantos que fogem como ele e ficam pelo caminho, são seus sapatinhos.

Disponível em <https://www.facebook.com/profile.php?id=1523959627&fref=nf>Acesso em 05/09/2015.





1. O assunto tratado no texto diz respeito à guerra civil na Síria, que já dura mais de dois anos e meio, deixando mais de dois milhões de refugiados, segundo a ONU; entre eles, a família do menino Aylan Kurdi, vítima da guerra na última semana. Observando as características próprias desse tipo de texto, IDENTIFICAM-SE as seguintes funções da linguagem


(a) referencial e metalinguística

(b) conativa e emotiva

(c) referencial e poética

(d) fática e emotiva

(e) metalinguística e emotiva



b) Justifique sua resposta, tomando como base os elementos da comunicação que se destacam no texto.

O texto apresenta a mensagem como elemento enfático, da mesma forma que se utiliza de um vocabulário sensível e poético ao retratar a imagem que abalou o mundo e se tornou o símbolo da crise humanitária. A descrição do garoto Aylan é feita com sentimento e com detalhamento, desde as suas vestes ao seu comportamento inocente, diante da morte.


2.Nos itens abaixo todas as figuras de linguagem foram corretamente classificadas, exceto em

(a) Na foto em que se deu a conhecer ao mundo, o Mediterrâneo, não a mãe, é que penteia seus cabelos. (METONÍMIA)

(b) A mãe deve tê-lo penteado, ainda que fossem poucos os fios, e tão finos. (ALITERAÇÃO)

(c) Então sentiu sonolência - e mar, mãe, medo se tornaram uma coisa só, depois coisa nenhuma.(EUFEMISMO)

(d) Aylan não sabia, naquela manhã, que era para a morte que o vestiam de camiseta vermelha e calças azuis.(SINESTESIA)

(e) No colo, possivelmente- os braços envolvendo o pescoço da mãe, cabeça reclinada sobre o ombro dela - para não atrasar a marcha rumo à morte. (METÁFORA)


CRÉDITO DAS QUESTÕES: Professora Marília Mendes