Resolvi contrapor pelo óbvio do que
aguento, suavemente, na pura atmosfera literária de que sobrevivem
ainda os nossos pequenos leitores e os grandes escritores.
Como é bom
abrir o jornal e ainda encontrar prêmios de bom exemplo como o que
deu ao fotógrafo Jorge de Moraes em Belo Horizonte, o reconhecimento
pela sua ação de solidariedade no Aglomerado da Serra ….Os belo
horizontinos aguentaram bem.
É bom aguentar até o
fim, um livro, um tanto quanto espesso e ainda recomendá-lo logo ali
na frente. Veio um amigo meu em 2010 e saboreou a própria indignação
: “- Eu li A menina que roubava livros nesse final de
semana. Simplesmente, não consegui me atrever a parar de ler.”
Eu aguento um tanto de
bobeirices que emocionam o brasileiro como ver o Fenômeno em 15
minutos no desfecho de um futebol bacana que ele proporcionou aos que
amam o futebol. Diga-se de passagem, são milhões aguentando juntos
essa mesma emoção chamada Ronaldo.
Aguento ver campanhas
que promovem a leitura como aquela Ler está a moda. Aguento
ver criancinhas e adolescentes em feiras de livro, insistindo para
que seus pais comprem a última edição de um grande clássico.
Aguento
fila indiana para ver Paul McCartney no Rio e ainda levantar
plaquinha do NA NA NA para homenagear o velho hino Hey Jude.
Aguentarei ainda por muitos anos o som dos Beatles na vitrola. Alguém
aí diria que não aguenta ?
Aguento
filas quilométricas para comprar ingresso nas campanhas de
popularização do teatro.Como
é bom ir ao teatro e depois tomar alguma coisa para brindar a simplicidade de ter
feito parte daquele público.
Aguento
ver a vivacidade intocável de Niemeyer, apesar da idade que já pesa
muito e visitar suas grandes criações. Um dia desses, caminhando na
Pampulha, percebi que aguentamos o ar da Lagoa , tamanha vista
privilegiada que foge aos nossos olhos , diferente de quando passamos
a pé.
Aguento
as chuvas em Brasília, só porque quando tem sol, o céu torna-se o
mais azul e mais bonito do território nacional. Aguento as
lembranças da Esquadrilha da fumaça , responsável pela avidez do
sonho humano de voar e mais, fazer piruetas.
Aguento
jazz em fim de tarde, acompanhando um bom drinque com pessoas que
também gostam de jazz. Como é chique aos ouvidos contemplar Carol
Welsman em duetos.
Aguento,
quando alguém telefona e comenta : “-Foi só um susto. Não houve
nada. Graças a Deus.”
É
valioso reconhecer a fé que ainda motiva as pessoas.
Aguento
comida de boteco que tem um sabor especial e, ao mesmo tempo, um
aroma dos deuses. Por que será que a comida do boteco cheira mais
que a da nossa casa?
Aguento
festa junina em que ninguém se veste a caráter. Que mania essa de
achar que caipira vive “remendado”...
Aguento
ver político corrupto deixar o cargo antes de ser condenado pela
opinião pública. O que não aguento são as justificativas “mais
ou menos” que são criadas na tentativa de se livrar a cara de um
espertalhão. É patético .
Aguento
estudantes às ruas, lutando por seus direitos. Aliás, aguento todos
os estudantes.Para
mim, é uma das classes mais vivas da sociedade.
Aguento
Facebook, enquanto se vela o orkut, presenciado por carpideiras,
porque ninguém que eu conheça, chora mais o fim sem fim
do Orkut. Aguento algumas redes sociais. Outras, que não conheço,
não aguentaria mais.
Aguento
comidas típicas do inverno, voo para o Rio de janeiro.Ver aquela
paisagem em sobrevoo é o certificado real de que o Rio de janeiro
continua lindo.
Aguento
as férias, chamadas de recesso , no meio do ano. É uma das melhores
pausas para algumas categorias. Aguento viajar de trem, comer
cachorro quente em plena dieta e ainda exclamar ser a última vez.
Aguento
reler as liras de Dirceu a Marília pela ducentésima vez e ainda
descobrir um palpite novo. Aguento releituras e musicalidade na voz
da literatura brasileira.
Aguento
carta de despedida em papel silkado em plena era do eletrônico.
Aguento
um pouco do brega e um tanto do chique. Lembrando que aguentar é um
exercício em que se mede a nossa capacidade de suportar nossa maior
e mais cruel adversária : a preguiça.
Por
falar nisso, vou ali tomar um cafezinho, como boa mineira que sou,
porque eu aguento café preto. O que eu não aguento mais, no
entanto, é o desmerecimento com os professores do nosso país que
investem tanto e depois, não têm a recompensa de por a cabeça no
travesseiro e pensar que amanhã, as coisas serão diferentes.
Grande abraço, professora Marília Mendes
Leia a crônica do jornalista Artur Xexéo, inspiradora da minha postagem :