Enquanto romance polifônico, encontramos nos relatos reunidos na obra, a importância do garoto Vicente (Vico) para a família e para os amigos, uma vez que o adolescente tem uma morte prematura, interrompendo um ciclo de juventude.
Para a mãe, ele era o "queridinho", o filho alegre e descontraído que estava sempre por perto; ao contrário de Henrique, que não demonstrava tanto carinho assim pela mãe.
Uma característica importante que sustenta a polifonia, presente na obra, diz respeito aos relatos e aos canais que foram utilizados para que a mãe, escritora, engatasse um novo romance; o pai, Pedro Artur, em carta, assumisse a ausência que teve na vida de Vico, já que tinha que trabalhar. Já a namorada, a menina Natália, registra em seu diário a dor e a necessidade de superação diante da morte do adolescente. O irmão, Henrique, embora não escrevesse, também consegue expressar seu sentimento em palavras, ainda que não usasse a escrita como forma de libertação. A escrita transcende e liberta. Encontramos nesses relatos uma válvula de escape para a dor e para o silêncio inevitável e muito estranho que é a morte.
Ao que parece, todos os amigos também participam desses relatos, em contextos diferentes, o que reforça a ideia de que a morte, por mais triste que pareça, foi capaz de unir a família de Vico e reuniu os amigos que, através de diálogos, quase sempre administrados por Fred, são capazes de traçar um perfil para o skatista Vico. A necessidade de reflexão da morte sobre a própria vida é um traço interessante na obra de Caio Riter.
Análogo à composição de Renato Russo, Love in the afternoon (Os bons morrem jovens), o romance dá voz às pessoas que estavam próximas de Vicente, da mesma forma que deram a Renato, um dizer poético, diante da perda de um amigo. Tanto a canção como a obra enfatizam a tristeza da morte, do vazio que fica e dos verões que não poderão mais ser compartilhados. O verão é representativo. As outras estações também ficarão no silêncio.
Escolhi essa letra para as turmas do nono ano que tenho, por imaginar que, além de ser uma letra de Renato Russo, também trata de uma das poucas que lida com a morte de forma tão direta. Renato, na época, vocalista da banda Legião Urbana, ao perder um grande amigo, disse a seguinte frase em uma entrevista: "É uma música que foi escrita para diversas pessoas e, quando o Kurt Cobain morreu, pensamos assim: ' mas se encaixa direitinho'. Na verdade, esta música foi feita para todas as pessoas que vão embora cedo demais". Em outra ocasião, Renato dedicou esta letra a Ayrton Senna, que morreu aos 34 anos, durante o Grande Prêmio de San Marino, em Ímola, na Itália, em 1º de maio de 1994, em um final de semana marcado por acidentes na Fórmula-1.
Ainda observamos no projeto gráfico do livro, um misto de cartas e de estilos na paginação, com backgrounds diferenciados, representando os pontos de vista dos familiares e dos amigos de Vico. A modalidade textual determina
o valor da escrita como componente catártico para cada personagem. Catártico porque temos na escrita uma ferramenta para a purificação da alma. Somente aqueles que rascunham algumas palavras no papel conseguem melhor entender o processo de purificação da alma que o ato de escrever permite àquele que escreve.
Sobre o futuro dos personagens que ficam, não é possível afirmar que caminhos seguirão depois que transcenderem a outros estágios pós-morte, se considerarmos o ciclo da vida e das palavras que silenciamos diante daqueles que amamos. A morte como uma palavra não dita, um abraço não dado, um amor não declarado. A morte como um fim ou como um novo começo, cheio de reflexões. Chegou a hora! Bom trabalho, turmas.
Professora Marília Mendes
Nossas palavras na página do autor Caio Riter: http://www.artistasgauchos.com.br/caioriter/?apid=5577&tipo=10&dt=0&wd&titulo=Vicente+em+palavras%3A+a+polifonia+da+morte