31 outubro 2011

Hoje é dia de reverenciar o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), já que ele estaria completando, exatamente 109 anos, no dia 31 de outubro. Lembrar sua obra e trazê-la para as redes sociais tornou-se orgulho dos mineiros e de todos os brasileiros que têm poesia na alma. 

Na oportunidade, lembro o dia do livro, comemorado sábado, com a enumeração de muitos nomes e ideias que circularam por toda a rede , reiterando a importância da nossa literatura e da formação de leitores, bem relacionados com os grandes escritores que, assim como Drummond, trouxeram realidade e sentimento ao mundo através dos versos. A poesia socializa, contextualiza e sensibiliza.


Lembro com grande paixão  O projeto Caminhos drummondianos, na história de Itabira, feito com alunos de Belo Horizonte, há tantos anos e por inúmeras vezes, em aulas que foram criadas fora da sala.  As  placas foram  revitalizadas pela Vale e todas as cidades que têm ligação com a poesia drummondiana, como Belo Horizonte, Mariana, Rio de Janeiro e distritos de Itabira terão a marca da poesia do inesquecível itabirano Carlos Drummond de Andrade.
 

A Companhia das Letras começa a reeditar toda a obra do escritor para 2012, na comemoração dos seus 110 anos.  Drummond também será homenageado em Paraty , cujo flip do próximo ano, ficará por conta da sua vasta obra.

E agora, Drummond? você, tão confidente das palavras que mudam o rumo de tanta poesia ou de tanta poesia que transforma as palavras, ficaria alegre ao ver que a sua memória é grande e segue entre tantos, orgulhosa, de ferro, muito além de uma fotografia na parede.


                                                   Professora Marília Mendes
    Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!



Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond


Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Os ombros suportam o mundo 

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.