18 fevereiro 2012

  O carnaval continua sendo a festa popular de maior prestígio entre os brasileiros. Os franceses contribuíram para a formação de nossa folia, mas hoje, somos nós que exportamos o modelo dessa festa, tipicamente brasileira, ao longo de muitos anos de samba no pé e de muito molejo. As festividades são encerradas na quarta-feira de cinzas, no primeiro dia  da quaresma, quando os fiéis se preparam para a Páscoa, que significa " passagem".

O motivo carnavalesco está relacionado à festa dos prazeres da carne  desde a Antiguidade. Fossem pelas bebidas e pelas comidas ou pelos bailes de máscaras que surgiram no Renascimento, seguidos de carros alegóricos e de fantasias, a festa que temos hoje, parece focar-se em comemorações que perdem, consequentemente, o seu primeiro sentido . No entanto, os gregos e romanos inseriram bebidas e práticas sexuais na festa, o que causou repulsa por parte da igreja. Com o  tempo, o carnaval passou a ser uma comemoração adotada pela Igreja Católica e vigiada pelos seus excessos.

Os blocos de rua ainda almejam a mesma tranquilidade de outros tempos, que eu não sei se voltam mais. A rua cedeu lugar aos possantes trios elétricos e só não vai para a avenida, quem ainda não morreu. A  segurança para  o prazer da festa  não obedece aos desejos dos foliões, que apostam alto e até pagam por isso para não sofrerem nas avenidas como "pipocas". Todo mundo aprendeu o neologismo sapucar e imagino que eu também saiba sapucar.

Eu sou do tempo em que sair no bloco dos pijamas era só sair de pijamas mesmo. Acordávamos cedo em São João Del Rey e com aquele figurino poá, desfilávamos, requebrando ao som de letras populares e entoávamos nosso frágil canto pelas ruas da histórica cidade mineira. Seguíamos até a praça e ao centro, prosseguíamos até o horário do almoço. O corpo era elástico e elétrico. Pulsávamos de alegria.

As marchinhas eram ensinadas nas escolas porque as composições podiam ser repetidas pelas crianças, sem nenhuma censura.
Olhar a cabeleira do Zezé era mais importante do que discutir sua opção sexual. Havia um tom de romantismo no " Ó abre alas que eu quero passar. Eu sou da Lira.Não posso negar, " que hoje parece desbotado.
A turma do funil não dormia no ponto. Dávamos mais importância à tristeza da jardineira. Acreditávamos no amor da Colombina e do Pierrot, porque o amor era algo para ser acreditado. Estávamos no calor do deserto do Saara com temperaturas mais amenas. O coração, de fato, amanhecia pegando fogo. Uma andorinha só nunca faz  verão. E eu não sei dizer por que, mas é dos carecas que elas continuam gostando mais. Eu insisto. Eu aprovo!

O samba foi se misturando aos ritmos frenéticos, que trazem choramingos melódicos de Telós e de Luans. A salada musical faz do carnaval a festa do sertanejo, misturado ao funk, ao aché,ao baião, ao frevo e ao maracatu, que se mistura a outros ritmos e por fim, encontramos quem também dance forró, em pleno carnaval. Só não vale ficar parado.


Hoje, as letras banalizam o sexo e a violência de forma nociva , tirando dos educadores, o gosto pelo seu cantar. As crianças não aprendem as saudosas marchinhas, porque ninguém as ensina mais.

Aquele tempo da máscara que, entre tantos componentes, trazia o desejo secreto de saber quem estaria por trás daquela alegoria, ainda que soubéssemos (e sabíamos ), quem era o dono da cocada preta, ficou para trás. As fantasias de hoje não têm segredo algum. São expostas em vitrines da vulgaridade e o corpo feminino tem sido a sua maior vítima. Os homens vão para o carnaval em busca dessa vitrine. Diversão no carnaval virou sexo livre. O que é pior: sexo sem preservativo, para bagunçar ainda mais o coreto.

Amélias de verdade jamais seriam lembradas com saudade. Maria Bonita acordaria hoje, sem a obrigação de fazer o café. A mulher brasileira, contrariando a expectativa por não viver sem nenhuma vaidade, redescobre-se, a cada dia, capaz de dominar o mundo, inteira, superlotando as universidades, ganhando posições de destaque no mercado, governando o país, dividindo sua rotina entre o trabalho e o lar com muita coragem. Algumas marchinhas estavam fadadas a morrer em qualquer carnaval e morreram.

O intuito da memória folclórica que se resgata entre um e outro carnaval está nesse intervalo em que vivem a paixões, a riqueza da MPB, a produção cultural que ganha espaços maiores e maior consistência em um mundo mal comprometido com a festa de que sentimos saudade. Não obstante, os saudosistas de plantão como eu, saem no bloco dos controles-remotos e dançam a dança do sofá. Quando não, esperam pela segunda-feira e revisitam a velha São João Del Rey. É para lá que eu sigo viagem esse ano.Vou no bloco dos amigos brasilienses que, cansados dos blocos dos Sujos da capital federal, querem se aventurar pelas cidades históricas de Minas e eu, serei apenas a humilde rainha da bateria, ou melhor, a guia desse bloco, que acredita que no mundo ninguém perde por esperar, já que ainda dizem por aí que a vida vai melhorar.
                             
                                                  Professora Marília Mendes