Ele
era forte, se é que a etimologia da palavra permitia incluir
predicativos tão similares, um
" louva-a- Deus" na sedução. Predador desde
a sua entrada na repartição pública, tinha um lundum com as
mulheres, incluindo as feias, as mais ou menos e as belas. Mas ela
era das mais belas. Morena abotoava-se em vestidos elegantes , um pouco da
perna à mostra e tinha seus encantos por onde passava. Driblava-se
naqueles saltos espadrilhas, coloridos e clássicos e um homem forte,
não resistiria. Morena era lupina, parecia dançar quando andava e
em nome do amor e da lubricidade de pele, os dois viveram uma paixão
rock'n'roll.
Colecionaram
discos em vinil, dos Beatles até os românticos sons da mineiridade.
Enlouqueceram muitas tardes e noites e fechavam os olhos durante o
dia para sonharem um com o outro. Mal ele comprava o bilhete e ela
estava lá, pontualmente, levando estado de graça na mala. Estado de
graça era tudo o que ele precisava.
O
nome dele era Oliveira. Assim ele se apresentava nos congressos, nos
shows e nas confrarias. Um dia ele se foi. Todo raiva era ele e logo
arrumou novo casamento. Casou-se com Dona Fábula. Fábula era o nome
principal da moça. Alegórica, ela o tinha, mas vivia na tocaia, à
espreita de Morena. Depois que instalaram a tal da rede naquele
município Distrital, todo mundo vasculhava a vida de todo mundo. Mas
Fábula era abundante demais. No pleonasmo ! Ganharia as
bisbilhotices que regem as mulheres ciumentas. Ia todo dia ao "sítio"
de Morena, procurava coisas, mapeava outras. Deixava lá todos os
vestígios da incompreensão. Cocegava as amigas também, que iam
junto. Mal sabiam que Morena sabia demais e definia, identificava e
sabia que Dona Fábula passava por ali.
Desprovida
de modéstia, Morena curtia aquele escrutínio todo, sentia-se
verdadeira diva refestelando-se no divã. Escorreita, começou caso
de amor com um manobrista. O moço fazia manobras nessa estrada
infinita que chamamos de Céu e pilotava com brilho, supermáquinas.
Morena estava deslumbrada com suas particularidades . Mas nem isso,
aquietava o coração de D. Fábula. Era só sobrar um tempo, lá
estava ela na aba de Morena, curiositando os passos da moça. A atitude
dela era uma espécie de GPS descomunal.
Morena
foi morar fora, colecionava livros e palavras idiomáticas, entendia de
adegas climatizadas e sofisticou-se . De vez em quando, tem pena de
D. Fábula que não desligou seu desconfiômetro de vez.
Mas
Morena perdoa também. Afinal, quando lembra de Oliveira hoje, ela
finge que ele é amigo, que foi íntimo, que a fez sorrir um dia e
deseja-lhe sorte.Autoriza-se apenas isso. Sabe-se que ele vai bem. Dona Fábula precisava
acreditar nisso.
Ao
fim de algumas tardes, sem vento e com uma terrível baixa umidade do
ar, ele se encosta na cancela da fazenda que comprou em Goiás, cheio
do charme que Deus lhe deu, com ar de homem fatal e
beberica uma taça de Ferreira, reserva do Porto, com aroma intenso e
toques florais , de evolução em madeiras. Na cancela paradisíaca,
ele assovia uma canção e fecha os olhos...só para não ver passar
o tempo.
Marília Mendes