10 novembro 2011

No Rio de Janeiro, ao final dos anos 30, o narrador  do novo título de Jô soares dá voz ao romance As esganadas, que tem como gênero principal, a atenuada literatura policial do século XX .

Em "O Xangô de Baker Street..."  Sherlock Holmes vem  ao Brasil para desvendar uma série de crimes. Em "As Esganadas", o personagem Esteves, coincidente com o mesmo nome nos versos do poeta português,  incorpora um tipo , por trás de um bigode característico e na forma arredondada de um homem gordo. A descrição do bigode já nos remete a repensá-lo em um tipo policial, desses que arrastam um caso até a última informação.
( "Esteves sem metafísica" do poema "Tabacaria" ,1928), de Fernando Pessoa:

"O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?)/ Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica", fim da estrofe  do heterônimo Álvaro de Campos. 

É com esse personagem que o narrador apresenta uma série de cenas, em que outros personagens, no caso, as mulheres obesas, participam de um bom suspense, avizinhado de mortes mal explicadas e com um tempero extra: o humor.

Finalizei a leitura da obra As esganadas hoje e encontrei na nova  literatura do humorista Jô Soares, os mesmos ápices dos romances que o antecedem. A intertextualidade com o poeta modernista português Fernando Pessoa, na criação de uma identidade para o enredo, é o que mais chama a atenção no desenvolvimento da trama.

Vale lembrar com glamour, o cenário carioca no Estado Novo, dividido entre o transporte dos bondes elegantes com figurinos mais elegantes ainda e o Nazismo de vento em polpa, impregnado  dos horrores vividos no intervalo de duas grandes guerras ao redor do mundo. Ficaria fácil encontrar em  endereços tão cruéis, um serial killer, prato preferido desse narrador, colocado à prova do cientificismo da polícia carioca.

Eu revi a poesia de um dos heterônimos de Fernando Pessoa, imbricada no enredo de Jô Soares:
    (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
    Talvez fosse feliz.)
    Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
    (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
    Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
    Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
    Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


    Álvaro de Campos, 15-1-1928
     
Esteves sem metafísica é uma construção metafórica de grande valor para entender o lado comum de um homem cheio de complexidade. A entrada na tabacaria é um pretexto para colocar em evidência o estado de morte, situado entre o cruel e o inusitado.
A própria tabacaria é intrigante. Para o poeta um lugar comum na velha Lisboa. Para o narrador inspirado no poeta, a porta que dá entrada ao cenário de investigação.

Encontro nesse universo tão cheio das coisas mais intrigantes, como como por exemplo as mulheres que seduzem com armas gastronômicas,  o eu-lírico de Pessoa na centralidade de um mundo vazio. Desta vez, o assassino faz as pazes com o leitor, logo no início do texto, traço das narrativas de memórias , em que o desenrolar dos fatos se precipita já nos primeiros capítulos. Cabe aos demais capítulos, portanto, o prêmio  da sua captura.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo



Como um dos melhores romances policiais do autor que li , indico a leitura, meu caro leitor !
                         
                                                                        Professora Marília Mendes